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Os pequeninos pontos de poeira cintilante flutuavam preguiçosamente na áurea luz vinda da janela e enfeitavam o ar, feito pó de fada. Com suaves sopros, eu os reduzia a um emaranhado de grãos de pólen rodopiantes, no entanto, a cada tentativa falha de os atrapalhar, eles se recompunham e, como se seguissem um ritmo celeste, dançavam, coordenadamente, diante de mim.

Enquanto assistia o espetáculo, acariciava o macio revestimento rubro, que cobria os braços da aconchegante poltrona, que se encontrava de frente para a janela, fazendo com que fosse banhada pelo brilho do sol, sentia o calor passar pelo tecido de minha calça e penetrar em minha pele, aquecendo todo o restante de meu corpo, que permanecia na sombra. Há muito, eu não tinha o prazer de desfrutar de minha própria companhia, e o reencontro era, de fato, muito acolhedor, aos poucos, eu ia reencontrando velhas práticas que costumavam manter-me nos eixos, e encontrando novos lugares, capazes de me oferecer sossego.

A biblioteca se tornou um bom refúgio, não só para mim, Lúcia parecia ter entendido minha preferência por quietude e mostrava-se interessada em acompanhar-me em tardes regadas a silêncio, era bom vê-la lendo as tão adoradas histórias de contos de fadas, eu sabia exatamente quando os momentos favoritos aconteciam, mesmo que discretamente, suas feições se alteravam. Ela mantinha na estante de seu quarto, os livros preferidos e não me espantaria se me dissesse que já havia lido, cada um deles, pelo menos umas três vezes.

Embora a atmosfera fosse envolvente, eu ansiava por ver o dia, ele parecia estar bonito demais para desperdiçar meu tempo dentro do castelo, no entanto, permaneci imóvel, por um breve momento de hesitação, como se precisasse reunir forças para desvencilhar-me do caloroso abraço da poltrona, mas contrariando meu corpo, tirei-o da profunda sensação de relaxamento ao me levantar, em seguida, fui em direção a grande janela e a empurrei, fazendo com que o ambiente fosse invadido por uma deliciosa brisa que trazia o som do farfalhar das folhas das mais antigas moradoras do castelo.

Após experimentar minimamente a energia lá de fora, senti-me mais motivada a explorar a área externa, caminhei lentamente pelo cômodo, repleto de móveis escuros, passando a mão sobre eles, sujando as pontas de meus dedos, com uma ínfima poeira cinza, os cheiros de madeira e dos livros, mais velhos do que eu, se misturavam, fazendo da biblioteca, um dos lugares mais agradáveis do castelo. Observei por uma última vez o cômodo e passei pela porta, fechando-a logo em seguida, com toda delicadeza.

Como o castelo possuía diversos corredores e passagens, escolhi a dedo aqueles que fossem menos utilizados, para que nenhuma eventualidade pudesse alterar meus planos. Os corredores dos níveis inferiores, eram mais rústicos, não tão bem acabados quanto os dos quartos e restante do castelo, eles eram mais baixos e possuíam tetos curvos, talvez por isso, eram passagens dos funcionários.

Assim que saí da proteção que me abrigava, a forte luz me atingiu, não me deixando escolha, por alguns segundos, permaneci com olhos quase fechados até que se acostumassem com a claridade, a sensação de pisar na grama alta era prazerosa, era quase como andar num monte de finos travesseiros, o vento acariciava minha face de forma delicada e amenizava o efeito do sol. Andei mais adiante sem rumo, deixei que meus pés assumissem o comando e a mente livre para pensar em nada, estava cada vez mais distante das paredes de pedra que iam desaparecendo atrás das plantas, aos poucos algumas vozes pareciam cada vez mais audíveis e, como se fosse um chamado, eu as segui. A alguns metros, meus ex-alunos estavam organizados em pares e treinavam sob sol, junto deles, estava William.

— Mais uma vez! — Sua voz era firme, mas o semblante, constantemente voltava a ficar tranquilo, ele andava entre os rapazes dizendo coisas que eu era incapaz de ouvir.

Amor FatiOnde histórias criam vida. Descubra agora