Obviamente aquela situação era desconfortável.
Nathan sentou-se no banco ao lado daquele garoto que ele não conhecia e se sentiu um alienígena possuindo o corpo de outra pessoa. Que merda que estava acontecendo ali? O que ele deveria fazer?
Ele realmente ia tomar sorvete com um completo desconhecido? Que, aliás, lhe dera uma boa de uma livrada e um chute na canela? Nathan deve ter sido abduzido. É a única explicação plausível. Nada da situação condizia com a realidade.
"A gente pegou o mesmo sorvete." Miguel comentou surpreso, chamando a atenção de Nathan. Foi só nesse momento que percebeu que os dois seguravam um Magnum de chocolate preto com amendoim por dentro.
Isso dizia duas coisas sobre eles: Eles tinham dinheiro para pagar um Magnum.
E tinham o mesmo gosto. Pelo menos para sorvete.
O silêncio mais tenso do mundo caiu entre os dois. Pior do que o silêncio que já existia antes.
"'Me desculpa. Por tudo. E pelo o sorvete." Miguel foi quem cortou o silêncio, com uma vozinha fraca e gentil. "Eu acho que eu devia ter pensado melhor antes de te chamar para tomar sorvete. Mas como você pode ver, eu perdi toda a minha capacidade de pensamento nesses últimos minutos."
"Por que você 'tá pedindo desculpa pelo o sorvete?" Nathan arregalou os olhos. "Que tipo de pessoa faz isso?"
"É por que nós estamos em um silêncio tenso! Não tem coisa pior que isso!"
"Olha, hoje eu levei um chute na canela e um livro pesado na cara, um depois do outro. Eu posso comprovar que isso é pior. Foi mal por não ser tão comunicativo com dor."
Miguel deu um sorriso agridoce.
"Olha só. Eu te achei babaca por tanto tempo, e te julguei como a pior alma gêmea do mundo, mas fui eu que comecei a relação abusiva."
"Eu tenho cara de abusivo por acaso?"
Miguel o olhou como se dissesse: 'Você vai ficar ofendido se eu responder.' Nathan revirou os olhos, bufando profundamente.
"Dá 'pra gente começar de novo?" Miguel perguntou, parecendo uma criança pedindo algo que queria muito. "Meu nome é Miguel, prazer."
"Eu já entendi, você falou um milhão de vezes."
Miguel revirou os olhos.
Era esquisito. O vendo interagir agora ele não parecia alguém que perdia a compostura fácil, que xingava ou batia nas pessoas.
Não, esse sempre foi Nathan.
Então Nathan parou para pensar, pela a primeira vez, como seria se ele realmente tivesse tido um "pinto" no seu pulso. Provavelmente o bullying teria sido bem pior.
Nathan percebeu que Miguel tinha uma força considerável, sendo baixo e magrelo, mas ainda assim era bem mais frágil do que Nathan. Não era difícil vê-lo sendo feito de saco de pancada como Roger. Isso o fez se perguntar quantos anos Miguel tinha. Ele não parecia ter vinte nem fudendo.
"Você deveria dizer o seu nome." Miguel o trouxe de volta para a realidade, estendendo uma mão no ar. "É assim que as pessoas se apresentam."
Ele sorria de forma travessa e infantil, com a mão estendida. Nathan viu Ana Júlia com a cabeça apoiada em seu colo, provavelmente cansada, e Brutus não estava muito melhor, encolhida sobre as suas pernas, já tendo feito todas as suas necessidades. Ele teria que levá-la dormindo para casa, com certeza.
"Nathan." respondeu no automático, e esticou a mão em direção à Miguel. Quando eles se tocaram o mesmo de antes aconteceu: A corrente elétrica que arrepiou todos os fios de Nathan, e acabou com tudo. Eles soltaram as mãos na hora.
Os dois garotos coraram como bobos.
De repente ficou bem claro que eles eram almas gêmeas.
"Ahn, talvez... Talvez eu devesse ir embora." Miguel soou extra nervoso, com as mãos sobre o livro e as pernas chacoalhando de forma nervosa. "Eu não podia voltar tarde, de qualquer forma."
"Ah... Tá." Nathan se encontrava muito perdido para ter uma reação inteligente. Qualquer reação em geral.
Miguel o olhou mais uma vez, arrumando os óculos sobre o dorso do nariz. Ele se ergueu, o livro em uma mão contra o peito e a guia de Ana Júlia na outra.
A husky ficou animada nesse momento como se não aguentasse mais ficar ali vendo os dois jovens constrangidos e desajeitados interagindo de forma horrível.
Então, Miguel disse tímido:
"Qual o seu nome inteiro?"
"Nathan... Duarte." respondeu no automático, sem perceber que era o nome que usava no facebook.
"Ok." Miguel sorriu ainda tímido. "A gente se vê por ai, Nathan. Desculpa de novo. Não se esquece de colocar um gelo... No seu rosto."
Ele não demorou muito para sair após dizer isso, levando Ana Júlia consigo. E Nathan ficou no banco com Brutus como se nada tivesse acontecido.
Como se sua vida não tivesse mudado completamente.
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Peixes Fora do Aquário (✔)
HumorNathan Breno Duarte Maldonado, ou Maldotado como costumam chamá-lo, vive em um mundo em que todos possuem uma alma gêmea e a denominação disso está escrita no seu pulso como a primeira frase que vai ouvir dessa pessoa. Nathan cresceu complexado com...