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"Tio Nathan, tio Nathan!"

Crianças não esquecem de nada. Muito menos de recompensas.

Miguel apenas o olhou de forma bem clara: Não peça ajuda para mim, por que você causou isso sozinho.

Errado ele não estava.

Nathan respirou fundo. Há quanto tempo ele não tocava Aquarela no violão? Provavelmente desde quando aprendeu a tocar. Começou a rezar para não esquecer tudo e se envergonhar na frente daquelas crianças. Especialmente Jaqueline, que o julgou com os olhos por toda a aula, mesmo fazendo as tarefas.

Miguel o entregou o único violão grande que esteve usando até agora. Nathan estranhou até mesmo segurá-lo. As crianças baderneiras e agitadas se ajeitaram de forma muito bonitinha para prestarem atenção nele e aprender a tocar, quietas como anjos por conta da concentração.

Nathan teve que controlar a vontade de rir ao perceber como estavam vidradas nele, cheias de expectativas. Realmente, Miguel tinha razão sobre não serem tão difíceis de lidar.

Achou que seria cem vezes mais tortuoso, mas era até divertido.

Nathan sentia-se secretamente feliz por descobrir que ele não era o tipo que não conseguia gostar de crianças e cachorros. Mas ninguém, e eu repito ninguém, precisa saber disso além da mente dele. Essa ele vai tentar levar para a cova.

"Mi, você não vai liberar as crianças?"

Carol apareceu na porta curiosa. Miguel fez um sinal para que fizesse silêncio, e a deixou entrar na sala. A moça entrou sem entender nada, mas derreteu na hora ao ver Nathan ensinando acordes às crianças.

Todos eles pareciam tão concentrados, aquilo era tão raro que Carol só pode julgar Nathan como um professor muito bom, no mesmo nível que Miguel.

"Que ritmo é esse???" ela questionou após alguns instantes observando, ao perceber que não poderia ser Aquarela normal. Miguel não controlou mais a risada, gravando tudo desde o começo com o celular.

"Aquarela versão rock acústico pelo o The Black Keys, provavelmente." Miguel respondeu rindo baixinho para não atrapalhar a própria gravação.

"A gente pode ensinar isso?" Carol, a coordenadora da escola, questionou rindo trocando um olhar completamente caótico com Miguel, agora tão cúmplice quanto ele. "Só não posta no Facebook...?"

"E se eu tiver feito uma live?"

Os dois acabaram rindo mais, sem saber se era de nervoso ou de puro divertimento.

"Por favor, deleta isso. Eu não quero te demitir." agora Carol ficou séria.

"É claro que eu não postei, Carol." Miguel retrucou ainda rindo. "Só vou manter de recordação porquê é uma das coisas mais fofas que eu já vi."

Realmente era. O som era uma cacofonia horrível causada por muitos violões tentando tocar juntos, mas as criancinhas animadas e se divertindo enquanto tocavam compensava.

Elas pulavam com os violões pequenos e eram incentivadas por Nathan a fazerem mais bagunça e mais barulho, saindo completamente do que estavam acostumadas até então.

Afinal de contas, o EMVI servia como um lugar para que passassem o tempo enquanto os pais trabalhavam dobrado, e aprendessem a ter disciplina. Com disciplina, as chances de se desviarem da escola diminuíam. Se conseguissem terminar a escola, teriam mais chances de saírem da periferia.

Todos os professores do EMVI ensinavam conscientes desse processo. Mas, acima de tudo, ensinavam por amor e ensinar por acreditar na capacidade das crianças. O trabalho que faziam ia muito além de ensinar como tocar instrumentos musicais.

Não era fácil achar lugares assim. Principalmente por conta da desvalorização diária que os professores enfrentam, junto com a educação. Miguel queria mostrar como a EMVI era importante, e sinceramente, enquanto observava Nathan interagindo muito bem com as crianças sozinho, podia afirmar que Nathan não só entendeu a importância como facilmente se encaixou ali.

Nathan não teve dificuldade em se soltar com as crianças. As inibições que ele criava com todos, não valiam de nada ali. E ele simplesmente nem tentou, nem pensou sobre. Ele era tão genuíno que as crianças se atraíam, brincavam com ele como se não fosse um adulto, e aprender um cover de Aquarela acabava por se tornar só uma desculpa.

Miguel se atreveria a dizer que tanto ele quanto as crianças precisavam daquele momento de menos regras, menos compostura e mais diversão boba e simples, que não precisava fazer sentido para ninguém.

"Ele é ótimo." Carol chamou a sua atenção, tão boba quanto ele, sem querer cortar a interação de Nathan com os pequenos, mesmo que eles precisassem ir embora. "Com certeza não dá para esperar nada disso olhando para ele de primeira."

E como. Miguel respondeu mentalmente, sem esperar por nada daquilo. Você nem sabe como. 

Peixes Fora do Aquário (✔)Onde histórias criam vida. Descubra agora