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A sala de estar – que era conectada com a sala de jantar e a cozinha - da casa de Nathan era repleta com fotos em cantos variados. As fotos eram todas antigas, assim que se tornou impossível forçar Nathan aparecer em fotos com a família a partir dos treze anos para frente.

Eram fotos dele e os pais em festas juninas, nos seus primeiros campeonatos, no grupo de instrumentos tradicionais japoneses que tocava, no acampamento da organização religiosa japonesa que a família já fez parte.

Geralmente Lisa era quem aparecia na foto com Nathan, por saber fazê-lo ficar quieto, e Ricardo era quem batia. Mas haviam algumas só de Nathan ou outras com os três juntos.

As fotos só adicionavam a decoração da casa, tornando-a mais familiar e confortável. Lisa sempre sonhou com um espaço assim, por conta disso passava boa parte do tempo em casa na sala ou na cozinha, mesmo que estivesse trabalhando.

Mesmo que acabasse por se distrair ou procrastinar, gostava de olhar para os lados e ver fotos das pessoas que amava ao redor, lembrando-se dos momentos que passaram.

Recordava-se quase que vividamente de quando Nathan ganhou o primeiro campeonato da escolinha de futebol. Ricardo fez tanto alarde que saiu ridículo na foto, enquanto esposa e filho tentavam não morrer de vergonha cobrindo os rostos.

Era uma foto engraçada e adorável e uma das preferidas dela.

Quando Lisa finalmente achou que focaria no trabalho que precisava fazer, Nathan chegou em casa.

E foi o observando que Lisa piscou várias vezes, sem conseguir acreditar que a imagem do filho indo e vindo na cozinha era real.

Lisa e Nathan eram muito parecidos e qualquer um poderia perceber isso. Uma das maiores semelhanças - e também uma das mais assustadoras - eram as manias.

Desde pequeno Nathan pegava uma maçã na cozinha e saía distribuindo para a casa inteira. Se você não queria maçã, ele iria te fazer querer – e os métodos dele eram bem persuasivos, como enfiar quase o pedaço todo na sua boca.

Lisa fazia a mesma coisa quando mais nova, só que com amoras que pegava do quintal. Porém, tanto Lisa quanto Nathan cortaram esse hábito ao crescerem. Substituíram por outros hábitos menos saudáveis como o de tomar café para ficar acordado mais tempo ou trancar-se no quarto para fingir que tinham desaparecido.

Por isso Lisa encontrava-se chocada vendo Nathan, recém-chegado de onde é que passou o dia todo na rua, sorrindo todo contente enquanto abria a geladeira, pegava uma maçã e começava a dividi-la para ele próprio e para a cachorra que o acompanhava.

Brutus quase explodia de felicidade por receber comida (e por ver seu dono feliz), só faltando subir nas bancadas para arrancar a maçã inteira da mão de Nathan. Às vezes Lisa temia que a cachorrinha tivesse um infarto por ter energia demais.

"Quer?" Nathan ofereceu um pedaço para Lisa, deixando-a mais chocada, se é que era possível. Ela aceitou completamente confusa. Nathan sempre fugia de qualquer interação, principalmente quando passava o dia fora. E Lisa nem se lembrava quando foi a última vez que viu o filho comendo uma maçã.

Vê-lo agindo assim a fazia lembrar do garotinho das fotos.

"Alguma coisa boa aconteceu?" perguntou cautelosa, sem querer estragar um momento tão raro, mas sem conseguir conter a curiosidade. Nathan estava distraído dando pedacinhos para Brutus tomando cuidado para que ela não se engasgasse.

"Eu ganhei um monte de horas de crédito hoje." Nathan soou risonho, como se contasse uma piada que Lisa não ia entender. "Eu fiz trabalho voluntário."

"Você? Fazendo trabalho voluntário? E de bom grado?"

Lisa enfatizava cada palavra que saía da sua boca.

"'Tá aí a prova." Nathan mostrou o papel do certificado para ela. Lisa o pegou na mesma hora. "Quero ver você falar que eu não uso o meu tempo para nada que seja útil agora."

"Desde quando engenheiros se importam com organizações não governamentais?" Lisa questionou enquanto rodava o papel em mãos, analisando-o de todas as formas. "Eu nem sabia que você podia ganhar créditos na faculdade por trabalho voluntário. Seu professor te obrigou? Roger te arrastou?"

"Nope!" Nathan exclamou após dar outra mordida na maçã. Após alguns instantes, em que Nathan passou comendo e dividindo com Brutus e Lisa passou sofrendo uma crise interna, Nathan pegou o certificado das mãos dela para ir embora. "Agora eu vou capotar o corsa. Eu ainda tenho estágio amanhã e seminário 'pra apresentar na faculdade. Boa noite para você, e se você ver o pai fala boa noite 'pra ele também."

"Boa... Noite... Espera, desde quando você dá boa noite?"

Nathan nem ouviu a questão, fechando a porta do quarto antes. Lisa sentia como se fosse feita de legos e Nathan tinha acabado de desmontá-la com um chute. Ser mãe era gostoso desse jeito.

"Eu diria que ele 'tá tentando impressionar alguma garota, mas esse garoto odeia meninas." Lisa suspirou enquanto olhava para o trabalho aberto no notebook, sem a menor condição de concentrar-se agora. Um dos seus defeitos era a curiosidade desmedida. Não ia sossegar até entender tudo. "Meu pai, eu preciso de amoras. Se não tiver amoras nessa casa vou fazer o Ricardo comprar agora."

Lisa ergueu-se do banco à frente do balcão americano com ansiedade, pronta para dar tudo que podia para comer amoras ainda naquela mesma noite, custasse o que custar. Ela era uma mulher adulta e para que servia ser adulta se não conseguisse comer amoras quando bem queria?

Talvez se continuasse focando-se em coisas inúteis se esqueceria, pelo menos por um momento, a distância entre ela e o filho que a impedia de entendê-lo e ajudá-lo como desesperadamente queria. 

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