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O final de semestre não tem dó do cu de ninguém, por isso passaram-se bons dias em que Miguel e Nathan não conseguiram nem respirar direito, quem dirá marcar o segundo encontro de solução de Miguel.

Mas eles continuavam conversando, surpreendentemente. Nathan odiava trocar mensagens com as pessoas, no máximo conversava com Roger de vez em quando. Ele sentia uma preguiça enorme de entrar no aplicativo de conversas, ler e então escrever.

Muito trabalho.

Obviamente esse descaso o ajuda e muito a manter a reputação de macho escroto. Nesse caso, é só introversão – nesse caso. Mas Nathan não poderia dizer que ele não ignorava garotas mais do que ignorava garotos, porque não era verdade.

Porém, conversar com Miguel era natural e nada cansativo. Nathan acabou percebendo que os dois tinham química de verdade, até virtualmente. E existiam gosto em comum, mesmo que a grande maioria fosse diferente.

Ainda não era o tipo de diferente que te renderia um soco na cara. Era um diferente inofensivo.

Mas, claro, se Nathan não fosse machista, a sintonia seria melhor.

Arrepiava-se toda vez que pensava isso. O pensamento envolve uma série de coisas – uma série de problemas que ele mesmo criou – que Nathan não quer lidar com, não quer encarar.

A vida já estava difícil agora, imagine se ele decidisse vivê-la direito.

Nathan é, como o resto dos machos escrotos, preguiçoso. Não existe desculpa que o justifique o suficiente. A única coisa que consegue definir agora, com o mínimo do esforço, é que consolidou uma relação com Miguel depois do último encontro.

Qual o tipo de relação, ninguém sabia dizer. Nem mesmo os envolvidos.

Avanços, né. Só avanços nessa história.

Mas o importante era que estava funcionando, era uma relação aparentemente positiva para os dois lados e que Miguel parecia estar tão investido quanto Nathan.

Sinceramente as tentativas entre os dois poderiam ser muito piores.

"Nathan Duarte."

A voz do professor fez Nathan voltar antes de sair da sala. Ele o encarava com cara de poucos amigos por cima dos óculos, um livro antigo de folhas amareladas que descolavam em mãos.

Pense em um cara engomadinho, então o multiplique por cinco: Essa era uma descrição fiel do professor de Princípios de Administração de Empresas (essa é uma disciplina real) - uma das aulas mais de Humanas do curso e, portanto, extremamente chata.

"Você não está esquecendo nada?" soou repreensivo.

Só então Nathan percebeu que ainda tinha seu trabalho final da disciplina dentro da mochila.

Nathan pegou o trabalho rapidamente, tentando (e falhando miseravelmente) esconder o pânico. Compareceu à aula apenas para entregar o maldito trabalho, e esqueceu da parte mais importante.

Nathan entregou o trabalho sem dizer nada, sem confiar na própria voz. O professor aceitou o trabalho e continuou o encarando, esperando pelo menos um retratamento.

Nathan engoliu a seco. Não queria se humilhar mais do que já estava humilhado, mesmo sendo o errado da história.

"Por um instante eu realmente achei que você ia passar por mim sem me entregar nada. E depois ia me mandar um e-mail chorando para entregar atrasado." o professor continuou, determinado a torturar Nathan de alguma forma. Nathan respirou fundo. "Como você conseguiu esquecer de metade da nota da sua média?" ele ergueu o trabalho ao dizer isso, enfatizando aquele grupo grande e sem valor de papéis.

E o pior que não era nem a primeira vez. Nas últimas semanas, Nathan fazia algo e esquecia de outra coisa. Não cagava no estágio remunerado, mas cagava nas disciplinas. Não cagava com Miguel ou com a família, mas cagava nas disciplinas. Não cagava nos treinos, mas cagava nas disciplinas...

Em algum momento ele vai perceber que o seu curso é o único prejudicado nessa história, eu tenho fé.

Mas o que Nathan não estava acostumado era ser atacado por professores. Não que fosse uma ocorrência rara, como pode perceber na cena atual, professores acadêmicos se esforçam para conseguir criticar alunos de qualquer forma possível.

Porém, por conta da couraça que Nathan desenvolveu, em três anos de curso aquela era a primeira vez que acontecia consigo. Ele só sabia reconhecer com o tanto que ouviu sobre graças à Roger, que costumava a discutir em sala de aula e era facilmente expulso.

Ao contrário de Roger, Nathan passava completamente despercebido boa parte do tempo e facilmente ameaçava alguém que quisesse puxar briga, sem ter que fazer muito para isso. Esse também é um dos motivos de ninguém querer falar a verdade na sua cara.

Ninguém tirando Mônica. Não vamos esquecer.

Existia uma relação direta com o que acontecia agora com o fato de ter perdido o controle da própria vida, e todo mundo ao seu redor já tinha percebido e decidia se aproveitar de uma forma ou de outra.

"Só tome cuidado com isso daqui para frente. Para não se prejudicar em mais nada." Nathan perdeu boa parte do que o professor disse, esquecendo até mesmo que ele ainda estava ali, mas ouviu o final. E franziu o cenho.

"Por acaso você 'tá me dando conselho?"

Nathan quase tampou a boca ao perceber como se expressou mal, principalmente quando o professor o olhou feio por cima dos óculos que ele nunca arrumava. Oh, merda. Esse é o motivo dele evitar se comunicar, principalmente com figuras de autoridade.

Mas assim, vamos entender: Professores acadêmicos não dão conselho para alunos que não pedem conselho. Professores acadêmicos fogem dos alunos, para não terem um problema a mais. É muito estranho que esse se importe o suficiente para isso, mesmo que de forma distorcida (se Nathan não tivesse o trabalho, o conselho dele ia ser bem mais agressivo e se transformaria em humilhação pública).

Nathan estava genuinamente confuso e queria respostas, não teve a intenção de provocá-lo.

"Você acha que não precisa?" ele retrucou. Nathan travou a boca para não responder. "Eu tenho que discordar." o professor deixou o trabalho de Nathan e o livro sobre a mesa, os barulhos enfatizaram o que dizia. "Eu não sei o que aconteceu com você nesse final de ano, e se forem os jogos você deveria saber equilibrar com a faculdade, já está no seu terceiro ano."

É, o "conselho" ficou agressivo rápido. Afinal de contas, o professor salvou a média de Nathan. Ele tinha o direito de gastar o descontentamento nele agora.

Mas Nathan não registrou nada além da percepção que não passava tão despercebido como achava, nem mesmo na sala de aula. Bom, era por isso que tantos boatos foram criados sobre ele desde o começo, certo? Roger havia dito isso, mas Nathan só compreendia de verdade agora.

Começou a considerar que, talvez, por querer ser invisível para não ser incomodado, as pessoas o notavam ainda mais.

Nathan nunca pensou nesse tipo de coisa antes, talvez por ter que aprender a se proteger cedo do bullying e não deixar que a opinião de ninguém o afetasse. Mas ele fez isso de todas as formas erradas.

A sua couraça estava quebrando e, pela a primeira vez, isso o assustou.

E Nathan que não lute e não soque a cara de ninguém.

Peixes Fora do Aquário (✔)Onde histórias criam vida. Descubra agora