Peter, Kat, Ivy e Annie não paravam de falar no café da manhã. Eu estava meio desligada e não sei muito bem sobre o que eles tanto riam, mas acho que era sobre algo da faculdade.
— E você, Mel? O que acha? — Perguntou Peter me fazendo ficar nervosa, pois eu não fazia a mínima ideia do que eles estavam falando.
— Desculpa, eu não sei do que vocês estão falando. — Confessei.
— Tá no mundo da lua, não é, Mel? O que a senhorita tanto pensa? Por acaso tem a ver com algum novo crush? — Interrogou Ivy, claramente me zoando.
— Sua comida tá estragada, Ivy ou é apenas o seu cérebro afetado, falando? — Respondi um pouco irritada.
— Nossa! Calma, Mel. Foi só uma brincadeira. — Se pronunciou Kat.
— Viu! Eu falei que ela é estressada. Sério, ela realmente quase dá com a vassoura na minha cara. — Disse Peter, contribuindo com as meninas no "momento de irritar a Mel".
— Ok! Ótimo café da manhã para vocês. Eu vou para o meu quarto assistir minhas séries atrasadas. — Informei me levantando da mesa, tentando não demonstrar minha irritação.
— Calma, Mel. A gente só está conversando. Você deveria ficar aqui com a gente. — Pediu Peter me fazendo parar no meio da sala.
— Eu estou calma, ok? Parem de me tratar como se eu fosse uma bomba prestes a explodir e Peter, você está na minha casa, não tem o direito de opinar quando ou onde eu devo ou não ficar. Aliás, eu não gosto de misturar trabalho e vida pessoal, então para de contar para todo mundo como eu ajo ou não no planetário. Lá você é meu chefe e pode falar o que quiser, mas aqui a casa é minha e eu exijo respeito.
— Mel, se você se incomoda com o Peter, dormindo aqui era só ter falado, mas agora não precisa descontar nele assim. — Advertiu Kat, claramente achando que eu apenas estava desconfortável por ter um garoto na casa.
— Tudo bem, Kat. A Mel está certa, essa é a casa dela e eu estou a "desrespeitando". — Falou Peter claramente sendo irônico — É que eu achei que eu não era só um assunto do trabalho para ela. Pensei que éramos amigos.
— Então, talvez você deva parar de tirar conclusões precipitadas. Não somos nada. Com licença! — Disse, finalmente indo para o quarto e me trancando lá.
Talvez eu tenha exagerado um pouco, mas eu apenas estava tão cansada de mentir para eles que acabei sendo fiel pelo menos ao meu sentimento de raiva. Eu não queria sentir raiva porque isso me faz uma amiga terrível e mais do que qualquer outra coisa, eu odeio ser esse tipo de pessoa. Eu odeio a pessoa que me tornei.
Enfim, eles ficaram lá conversando e eu disse apenas que estava com muitos episódios atrasados das minhas séries. Acho que eles acreditaram porque eu geralmente sempre estou com as séries atrasadas, mas na verdade, naquele momento eu só queria ficar sozinha e escrever no meu diário, colocar tudo pra fora. Eu amo escrever. Então, por que não agora?
Eu lembro vagamente de "One Tree Hill", uma série que eu adorava assistir quando criança. O que eu mais lembro é da emoção que sentia quando escutava a música da abertura e também do quão intensos aqueles personagens eram. Do resto, eu não lembro muita coisa. Eu era apenas uma criança, assistindo um série de drama de adolescentes apenas porque todos da minha casa paravam para assistir e eu adorava a emoção que sentia com aquela reunião em frente a televisão.
Mas então, eu cresci e até hoje não tive tempo de re-assistir cada segundo dessa série para dessa vez realmente entender e lembrar de todo o plot. Seria nostálgico! Até hoje a música de abertura me arrepia. Sabe quando uma lembrança é tão boa que te desperta até o olfato? Isso mesmo! Lembrar de One Tree Hill me faz sentir um aroma de sábado de manhã, café, bolo e o friozinho que era aconchegante debaixo dos lençóis que eu arrastava para a sala para ficar junto da minha irmã e do meu pai. Bem, meu pai assistia só porque logo depois vinha Smallville, outra série que me transporta para uma época mágica, mas isso é outro assunto.
Enfim, vocês devem estar se perguntando até onde esse papo de série antiga vai nos levar. Acontece que todas as vezes que eu me deparo com alguma cena dessa série pela internet, eu percebo que hoje em dia toda aquela intensidade dos personagens e todo o drama fazem sentido pra mim. Não que isso seja algo bom, afinal, acho que seria menos doloroso se continuássemos crianças sem entender porquê tudo é tão complicado para os adultos. Seria mais fácil se continuássemos crianças sem querer dá sentido para tudo, apenas desejando dividir um momento com as pessoas que amam, sentir a sensação de pertencer àquela tradição.
Então, esse fato me lembra uma frase da Brooke, uma das personagens dessa série. Ela uma vez disse: "Eu estou cansada de me sentir mal, tá? Eu prefiro não sentir nada. É melhor, mais fácil." Assim, eu particularmente concordo com ela. Eu adoraria não sentir nada pelo Peter ou até não sentir nada sobre mim mesma, sobre como eu não gosto do meu corpo, sobre como eu não confio em mim. Nossa! Seria um alívio apenas não sentir nada.
No entanto, eu paro e penso. Tudo isso que eu imagino quando penso em não sentir nada são coisas ruins. Será que valeria a pena não sentir nada e também perder o lado bom de sentir? Eu acho que não. Por isso, Brooke, eu acho que talvez o segredo seja sentir o mundo um pouco mais como as crianças sentem, aproveitando o momento, o amor e vendo felicidade nos mínimos detalhes da vida, valorizando com mais intensidade apenas os bons sentimentos.
Por exemplo, se eu ainda sentisse da mesma forma que o meu "eu" criança sentia ao assistir One Tree Hill com a família, eu não estaria aqui no quarto trancada, tentando entender o que sinto pelo o Peter, como devo agir com a Kat ou com a Ivy. Eu apenas estaria lá com eles, sem entender nada, como acontecia quando eu assistia série, mas lá, feliz por pertencer ao convívio deles, aproveitando para guardar o aroma de amor e amizade que essa reunião me traria na memória. Eu seria uma amiga melhor, uma pessoa melhor. Por isso, talvez o segredo não seja "não sentir" e sim sentir sem se preocupar com razões. Sentir apenas pra ser feliz em cada momento, em todos que puder, em todos que sentir.
Porém, creio que já é tarde demais para isso. De alguma forma, quando crescemos, algo quebra dentro da gente e a distância vira o melhor remédio para a dor que um sentimento incompreendido pode trazer. É isso que tenho feito nos últimos dias. Me afastei! Não sei se é o certo, pois continua doendo, mas se eles me virem de verdade não saberei como continuar lutando contra esse sentimento sem machucar mais ninguém, sem perder mais do que eu já perdi.
Talvez seja burrice eu estar afogando todos esses sentimentos pelo Peter para não perder a amizade da Kat e mesmo assim estar perdendo ela por causa da distância que coloquei entre a gente. Tenho que agir diferente.
Dessa forma, isso me faz lembrar de outra frase da Brooke em que ela desabafa sobre os amigos. Ela diz: "Eu estou assistindo todos os meus amigos seguirem em frente com suas vidas... Eles estão todos seguindo em frente e é como se eu estivesse apenas aqui, presa, parada."
Bem, essa é a frase da série que mais define a maior parte da minha vida. Eu sempre estou aqui parada, presa pela minha própria insegurança enquanto estão todos seguindo em frente. Mas talvez o segredo para essa situação seja justamente isso, continuar parada, assistindo Kat e Peter sendo felizes porque aconteça o que aconteça, essa história não é minha, não tem um final feliz para mim. Então, definitivamente prefiro ser a coadjuvante invisível e não a pedra no sapato dos dois, a que estraga tudo.
Portanto, é assim que vai ser. Eu vou continuar sem fazer nada, tentando não sentir nada porque na verdade, é impossível voltar a ser aquela garota debaixo dos lençóis, em um sábado, ao lado da família... Aquela garota que se contentava apenas em sentir algo mesmo que esse algo não fosse exatamente tão concreto, tão real.
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Não Escolhi Te Perder
RomanceDizem que para fazer uma escolha você tem que saber perder porque não importa o caminho que você escolher traçar, as outras opções ficarão para trás. Seria possível uma grande amizade superar cada obstáculo traiçoeiro que nosso coração impõe? Será q...