— Me ajude aqui, venha! — Aproximei-me da mulher sentada na ponta da cama com a perna do britânico sobre o colo. A saia de seu vestido claro já se encontrava rubra.
Prendi a respiração quando aquele cheiro forte atingiu minhas narinas. Juliet tinha uma agulha já com uma linha escura junto. Ao seu lado, uma pinça grande, que agarrava um projétil pequeno. Aquilo explicava os gritos ouvidos por mim do lado de fora, próxima a aeronave, há alguns metros da residência.
— Segure a perna dele! Não vou conseguir costurar se ele continuar a dificultar meu trabalho.
Com as mãos trêmulas, dei a volta na cama e me sentei próxima a coxa esquerda dele, posicionei meus dedos envolta de sua panturrilha e fiz força tentando imobilizá-lo. A verdade era que ele era muito mais forte que nós duas e estava descontrolado. Também pudera, Juliet havia extraído uma bala que ela mesma havia colocado nele sem nenhum anestésico.
Aquilo por si só já era tortura.
Virei meu rosto e passei a encarar a vista da janela semi aberta ao meu lado, tamanha era a minha repulsa ao estar numa situação daquelas.
Eu sabia que ele era uma ameaça. Vi quando tinha tentado me matar. Os soviéticos tinham os britânicos como inimigos e vice e versa, mas para mim eles eram pessoas como nós, só que falavam outra língua e viviam numa cultura diferente da nossa. Éramos todos feitos de carne e osso, sangramos igual e sentimos igual. E naquele momento, eu sentia a dor dele.
Apesar de parecer doido e de ir contra tudo o que eu acreditava, quando me virava e olhava em seu rosto sujo, molhado pelo suor e lágrimas, eu o sentia!
Aquilo era uma novidade enorme para mim. Porque apesar de na minha conversa com Cornélia na noite anterior eu ter dito para ela aprender a sentir, eu estava me referindo a sentir as pessoas que amamos, não um completo desconhecido! Ainda mais alguém que quase tinha atirado contra mim e me via como inimiga.
— Prontinho. — Larguei sua perna, levantando-me rápido, ainda tonta ao processar aquela nova informação. — Vá até a cozinha, esquente um pouco de água, por favor. — Acenei com a cabeça indo até a saída, olhando para ele de canto de olho.
Estava silencioso, ainda chorava, com o braço sobre a testa, que estava descoberta a aquela altura. Ela provavelmente tinha tirado seu capacete na minha ausência, notei também uma de suas botas num canto qualquer do cômodo.
— Isso é sangue! — Não havia sido uma pergunta. Cornélia encarava minhas mãos atônita. Não me surpreendi com sua reação nem com a das outras, eu teria a mesma.
— E-Ele morreu?
— Não. Está vivo. — Não olhei para Elizabeth ao respondê-la, apenas coloquei a água para esquentar e me mantive calada, a fim de encerrar o assunto.
Juliet passou pela cozinha praticamente voando, subindo as escadas. Retornou um tempo depois, com uma trouxa pendurada no ombro, lançando-me um olhar significativo. Entendi o recado e desliguei o fogo, pegando a panela com cuidado e despejando uma bacia grande, fiz o mesmo caminho feito por ela encontrando-a inclinada sobre o corpo na cama.
— Deixe no chão. — Disse sem ao menos se virar. Inclinei minha cabeça curiosa, logo, suas mãos foram descendo pelo peitoral do homem. — Me ajude mais uma vez, sim? Depois você poderá ir tomar seu café da manhã.
Cheguei mais perto da cama.
Eu não sabia se ainda tinha estômago para comer alguma coisa.
— Tire o outro calçado.

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The enemy | H.S.
RomanceO ano é 1940, o mundo vive os horrores da Segunda guerra mundial. Com temperaturas insuportavelmente baixas, a União Soviética decide ordenar que todos deixem suas casas e destruam qualquer coisa que possa ser proveitosa ao inimigo. Grace Dubrov é l...