036 - What if I'm someone I don't want around?

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Ao contrário da casa de Juliet, as horas ali se passavam voando. Não parávamos o dia todo, ora ajudávamos com os feridos, ora auxiliávamos na tentativa de melhorar as construções que nos abrigavam. Havia um grande rodízio de homens, os que voltavam de combates saudáveis sempre retornavam dias depois, infelizmente tivemos algumas baixas em nosso batalhão. Havia muita gente ferida. Eu não tinha sido autorizado a ir a combate devido a minha perna recém curada. Teria que fazer algum tipo de fisioterapia quando tudo aquilo acabasse, ainda mancava um pouco, porém não me preocupava tanto comigo, haviam homens ali em situação pior, literalmente entre a vida e ao morte.

Gibson e meu pai não me deram folga no planejamento do ataque surpresa a casa do alemão. Estávamos focados naquele objetivo desde o dia em que retornei, conseguir um lugar melhor para nos alojarmos virou uma necessidade urgente. Além de que ali vivíamos um dia de cada vez, atentos a possíveis ataques e cuidando dos que voltavam de combates. Precisávamos de um outro local, caso fossemos descobertos, perderíamos todos os nossos homens por estarmos todos juntos. Teríamos que nos dividir.

Não tive oportunidade de conversar com meu pai sobre tudo o que tinha acontecido enquanto estive fora, para falar a verdade, nem queria. Não sabia ao certo se era bom citar Grace ou o que tive com ela, tinha medo de ser julgado assim como fui quando contei toda a história a Niall. Se tive vergonha ao verbalizar em detalhes minha trajetória ao lado dela para meu melhor amigo, quem dirá ao meu pai.

Percebi que ainda estava tudo tão fresco em minha memória, que ao contar as coisas que vivi com Grace, jurava que podia sentir até o cheiro bom de seus cabelos longos em minhas narinas. Era só fechar os olhos que eu poderia ter acesso às lembranças vívidas.

Falar sobre ela me confortava de um jeito tão estranho, era como falar sobre as coisas boas que vivemos na vida, relembrar bons momentos. E Grace me proporcionou muitos sentimentos bons em minha estadia na casa de Juliet. Contar a alguém o que vivi com ela, era uma forma de eternizá-la em minha memória, dizer o quão importante ela tinha sido na minha vida a tornava cada vez mais real, não apenas como se fosse algum fruto da minha imaginação.

Como o próprio Niall tinha comentado, sendo sarcástico ao colocar em prova a existência de Grace. Quase como se ela tivesse sido um delírio meu.

Ela havia tomado conta de meus pensamentos em meus primeiros dias ali, a primeira manhã sem sua presença na hora do café tinha sido estranho. Não parava de pensar no que Grace devia estar fazendo na casa longe dali. Aqueles meses de repente pareceram anos devido a rotina que estabelecemos. Na hora de me deitar para dormir, me permiti ver sua imagem gravada em meus pensamentos, como algo que pudesse me acalmar ou trazer conforto. Aquele lugar em que dormia, frio, desconfortável e completamente desprotegido era bem diferente da cama e dos cobertores que tinha anteriormente. O som de sua voz passou a invadir minha cabeça para me distrair dos murmúrios de dor dos feridos, que nos embalava todas as noites. Mas se havia algo que não poderia mudar, era a sensação que o calor humano que o corpo de Grace emanava quando a tive em meus braços.

E eu tentava me aquecer mesmo que em pensamento. Lembrar-me da sensação.

Sabia que aquela prática era no mínimo esquisita, lembrar-me dela, sentir seu cheiro e o calor de seu corpo mesmo que de longe, sabia que era algo perigoso de se fazer. Eu não poderia levar aquilo adiante por muito tempo, tê-la em meus pensamentos ao voltar para casa. Só me traria sentimentos ruins, como a perda, saudade e culpa. Nunca mais a veria na vida, e fui eu quem quis assim, precisei que fosse assim. Não havia como mudar o passado, mas me sentia completamente arrependido de ter seduzido Grace.

O tiro tinha saído pela culatra, e eu havia acabado com uma dependência física fudida.

Porém, eu sabia que somente aquilo me manteria sã o bastante naquela guerra. Meu pai sempre me contou muitas histórias de combate, eu mesmo perdi as contas de quantas fotografias já vi em tanques, aeronaves e até mesmo nos bolsos dos uniformes, sempre da mulher amada. Seja a mãe ou a própria esposa, namorada, qualquer uma que lhes estivessem esperando em casa. Elas davam força para continuar a lutar, uma razão para continuar vivo e ter alguém pra quem voltar.

The enemy | H.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora