Fui até o banheiro, joguei água em meu rosto a fim de me despertar completamente do estado de relaxamento que a noite ao lado de Grace causou em meu corpo. Era a hora de enfrentar o mundo real, sair daquele conto de fadas que infelizmente só existia na cabeça dela. O mundo seria bem melhor se tudo partisse de suas ideias e imaginação.
Sempre me questionei como seria o mundo se fosse governado apenas por mulheres. Tive a resposta depois que a conheci. Aliás, estava óbvio, era só olhar para fora e ver toda a destruição e crueldade que os homens provocavam.
Encarei-me no espelho, olhei no fundo dos meus olhos e disse para mim mesmo em pensamento tudo o que cresci ouvindo meu pai falar.
Sempre o achei autoritário demais comigo, com Noora sua fala sempre ficava mais suave, achava que era porque ela era sua única menina, porém, quando cheguei aos meus dezoito anos, ele me chamou para ter uma conversa em seu quarto. E não, não era sobre sexo, até porque não era segredo para ninguém que naquela altura do campeonato eu já sabia o que era sexo e que bebês não vinham para o mundo de cegonhas.
Lembro-me daquela tarde como se fosse ontem. A história dos dias em que ele esteve em combate durante a primeira guerra, do orgulho do vovô quando o recebeu no fim da guerra, relembrou até da conversa que teve com o próprio pai quando se alistou para servir na força aérea. Meu pai não queria que eu servisse, mas sabia que não havia outro jeito, estava no sangue e apenas perdurou de geração em geração.
Eu espero que se algum dia tiver um filho, não haja guerra alguma para se lutar.
Seu jeito rígido era apenas uma preparação para o que poderia ocorrer no futuro. E ali estava eu, Harry Edward Styles, filho de Joseph Styles, tentando me lembrar de tudo o que me foi ensinado. Desde o começo daquela guerra mentalizei muitas coisas em minha cabeça, sempre que me forçava a ser forte e ter coragem, e era a voz dele que eu ouvia.
Não sabia mais se sentia o mesmo orgulho por ele. Eu ainda o amava muito, afinal, junto de minha mãe, ele me ensinou tudo o que eu sabia e conhecia. Mas, durante o tempo em que fiquei distante dele e de casa, pude conhecer outras coisas e percebi que talvez não tinha feito as escolhas certas ou até mesmo pensado do jeito certo. Minha família havia sido formada entre combates, desde meu avô paterno até a mim, os homens sempre serviam aos seus países com um orgulho colossal. Cheguei ali, naquela casa, pensando exatamente como eles.
Mas, ver a revolta de Grace com todas as consequências que a guerra trazia consigo, me despertou para dar um fim a aquela palhaçada. Afinal, ela, mesmo sendo tão nova e inocente em diversos aspectos, conseguia ser mais sensata que meu pai e meu avô juntos. Uma guerra não era motivo de orgulho, não deveria ser, acabar com vidas, destruir cidades, separar mães de seus filhos como aconteceu com Grace e aquelas crianças que viviam ali. Meu Deus!
Sentia-me envergonhado de pensar daquela maneira no passado. E, mesmo que não quisesse, eu sabia que iria ter que participar daquela guerra. Agarrava-me na ideia de que tudo acabaria logo, que estaria defendendo meu pai, meus companheiros. Lutar por quem se ama, aquilo sim era um pretexto conveniente para entrar em combate. Agora, toda aquela bobagem política e briga de egos não, aquilo era egoísmo puro.
Como eu poderia negligenciar o fato de Grace não saber o paradeiro da própria família há meses apenas por saber que minha está segura, exatamente onde os deixei quando saí? Era a mesma coisa com as cidades destruídas, mortes de soldados inimigos e até civis inocentes. A fome, o desespero, o luto. Não era porque não era comigo que eu deveria ignorar.
Sequei meu rosto rapidamente e fui até a cama, onde me sentei para calçar minhas botas. Era muita sorte elas ainda estarem ali, no canto do quarto. Desde o dia em que cheguei, no primeiro banho que Juliet havia me dado, eu as encarava próximas da porta do banheiro e me pegava com a vontade de calça-las e sumir mundo afora. Só que não era a hora. Ainda.

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The enemy | H.S.
RomantikaO ano é 1940, o mundo vive os horrores da Segunda guerra mundial. Com temperaturas insuportavelmente baixas, a União Soviética decide ordenar que todos deixem suas casas e destruam qualquer coisa que possa ser proveitosa ao inimigo. Grace Dubrov é l...