— Porque está com tanta pressa de terminar esse vestido? — Juliet indagou com os olhos ainda vidrados no botão perolado que ela pregava no tecido vermelho.
— Porque...Porque meu aniversário está chegando! E eu vou comemorá-lo com os meus pais. Tem que estar pronto o mais rápido possível!
— Quando irá fazer aniversário? — Seu olhar pairou sobre mim por um tempo, levantei o rosto e a olhei de volta, confusa.O tom da sua voz, o modo como sua postura relaxada endureceu fez meu corpo estremecer de imediato.
Sempre que Cornélia demosntrava pessimismo com o fim da guerra eu intervia e lhe dava um pouco da minha esperança. Mesmo quando nem ela mesma tinha, como quando Elizabeth tinha lhe dito que talvez o irmão estivesse morto. Para mim, ninguém poderia me tirar da cabeça o pensamento positivo de que iríamos ir embora dali com nossos pais o mais rápido que possamos imaginar.
Mas aquele olhar...Senti algo dentro do meu peito, como se uma mão invisível adentrasse minha pele e apertasse meu coração lá dentro.
— P-Porque? V-Você acha que eles não vão voltar até lá? Só faltam dois meses!
Seria a pior das decepções, apagar a vela sobre o bolo e não ter meus pais sorrindo junto de mim. Eu precisava deles ali, comigo, principalmente depois de perder Harry daquela forma tão trágica. Meu pai havia prometido! E mesmo que nada estivesse ao alcance dele, eu ainda ficaria chateada por ter aquela promessa quebrada.
A verdade era que eu estava tão ocupada pensando em Harry e vivendo tudo o que eu conseguia viver ao lado dele, que nem ao menos percebi que tinha deixado de pensar em meus pais. Não os sentia mais, e me dar conta daquilo fez meus olhos se encherem de lágrimas. Não os esqueci, era completamente impossível fazê-lo, mas já não me pagava mais remoendo minhas lembranças com eles.
— Não sei, Grace. — Sua voz soou praticamente robótica. Olhei em seu rosto porém não consegui decifrar sua expressão.
Nunca tinha tocado naquele assunto com ela. Juliet e eu quase nunca conversávamos além do necessário para administrar as crianças, ou sobre as aulas de costura. Aquele dia do sutiã foi uma exceção enorme.
Me perguntei se as outras a questionavam sobre a volta dos nossos pais e se ela as respondia com a mesma frieza. As gêmeas choraram durante noites nos primeiros dias ali, porém com o passar do tempo entenderam a nova realidade, eu só não sabia dizer se elas achavam que aquilo tudo era definitivo. Cornélia e eu sempre falávamos sobre aquilo, porém eu era quem era questionada. E em todas as vezes tentei acalmar a menina, porque era a única coisa que eu poderia fazer, afinal, eu não tinha uma resposta para aquela pergunta.
E era pelo mesmo motivo que eu nunca questionei Juliet, por achar que ela não sabia do paradeiro de nossos pais. Mas após aquela resposta, minha cabeça começou a trabalhar em busca de algo, e logo me veio à mente aquela história de Feldwebel. Se ela conhecia o tal sargento, porque não saberia nada sobre as pessoas que foram tiradas de suas casas? Eu sempre achei que Juliet apenas conhecesse Clint, o enfermeiro. Porém Juliet tinha mais contatos do que eu imaginei que tinha.
A partir daquele pequeno diálogo, as horas que se passaram ali, naquele quarto silencioso, foram, no mínimo, estranhas.
Trabalhei no vestido até que anoitecesse, Juliet me deixou no quarto sozinha, precisou ajudar as mais novas com algo no andar debaixo. Era a minha primeira vez ali, só. Sem seus olhos analíticos sobre mim e live de sua paranoia sem sentido. Seu quarto sempre foi trancado, e eu entendia seu anseio por privacidade, porém, Juliet era tão exagerada que ás vezes parecia esconder muitas coisas de nós.
Um flashback me atingiu em cheio, o dia em que estive lá, quando retomamos as aulas de costura. Os envelopes que vi e que a deixaram tão nervosa.
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The enemy | H.S.
RomanceO ano é 1940, o mundo vive os horrores da Segunda guerra mundial. Com temperaturas insuportavelmente baixas, a União Soviética decide ordenar que todos deixem suas casas e destruam qualquer coisa que possa ser proveitosa ao inimigo. Grace Dubrov é l...