007 - Kiss

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Abri a porta, encontrando a loira parada, encostada na parede. Lhe sorri fraco, esperando algo em troca. Grace me encarou confusa, acho que a havia assustado um pouco quando tentei matá-la, ou quando gritei com ela e joguei a comida toda no chão. Eu definitivamente não tinha passado uma boa impressão para a menina.

— Muito obrigado pela ajuda. — A encarei fixamente, falando devagar, reparando em seus olhos incrivelmente azuis me analisando. — Você tem me ajudado muito.

O que eu faria para ganhar sua confiança?

Grace fez algo que me deixou intrigado. Seu rosto fino ganhou uma tonalidade avermelhada. Acho que ela não sabia muito bem esconder sua timidez. E para ficar vermelha daquele jeito apenas com um olhar, ela não parecia estar acostumada a receber muita atenção masculina.

— A propósito, me desculpe por ontem. Eu não quis te assustar, apenas fiquei um pouco nervoso. — Outro sorriso meu, mais um sorriso grande vindo dela.

Apoiei-me no batente e logo tive sua ajuda. Ela era mais baixa que eu, não era muita coisa, sua cabeça batia em meu ombro. Aproveitei-me de nossa posição e me pus a cheirar seus cabelos lisos.

— Seu cabelo é cheiroso. — A senti vacilar em seus passos e esperei alguma reação, mas Grace logo se recompôs e me ajudou a sentar na cama.

E era mesmo.

— Ah, obrigada. — Cruzou os braços sem jeito, dando pequenos passos para trás.

Elogios e gentilezas. Funcionavam. Quem diria que aquilo realmente funcionava? Não costumava ter problemas com mulheres, então o que eu dizia a elas não importava, no fim acabávamos na cama e tchau. Nunca tinha tido algo sério com nenhuma. Meu pai dizia que algum dia eu iria ter que sossegar, formar uma família. Mas nunca tinha pensado naquilo como uma prioridade. Minha única paixão era voar, nada fora daquilo parecia me importar muito a longo prazo.

Ela me observava comer ainda afastada.

Quando a pegava olhando para o meu rosto, Grace desviava o olhar para o chão. Era engraçado. Nunca havia me deparado com alguém tão tímida. Me perguntei como devia ter sido sua vida antes de nossos caminhos se cruzarem, porque parecia ser realmente entediante.

— Grace, certo? — A loira assentiu, olhando-me atentamente. — Quantos anos tem?

— Hum...dezessete. — Mordeu a bochecha. Assenti levemente a analisando. Aparentava ter menos, devia ser por conta do rosto angelical. — Quase dezoito. — Ri de sua última frase.

— Para que apressar a idade? — Lhe sorri divertido.

— Meu pai me prometeu que iríamos comemorar meu aniversário de dezoito anos juntos. Estou ansiosa para isso. — Deu de ombros. Seu sorriso murchou um pouco a partir dali. Continuei a comer e ficamos em silêncio.

— Você está aqui há muito tempo?

— Desde o começo da guerra. — Alguns meses. — Eu gostaria de ter ido com eles, mas meu pai decidiu me deixar aqui, segura.

— Não se sente entediada? Trancada aqui por tanto tempo?

— Não temos tempo para isso, — Deu de ombros rindo fraco. — temos tarefas a fazer. Juliet nos ensina a costurar e a cozinhar. E agora, com você aqui, bom, eu ficarei ocupada por um tempo.

— Então serei sua distração por um tempo. — Murmurei, limpando minha boca com as costas da mão. Seus olhos claros se arregalaram, acho que ela pensou que eu me ofenderia com aquela informação. Muito pelo contrário, eu não dava a mínima pelo o que eu era ali. Sabia que não pertencia á aquele lugar e trataria de sair o mais rápido possível.

— Eu não disse isso. — Replicou, ainda constrangida.

— Por quanto tempo?

— O que?

— Por quanto tempo terá que me vigiar? Tenho quanto tempo até que eles venham me buscar? — Percebi Grace prender a respiração, ficando tensa com minha pergunta.

— E-Eu não sei. — Encolheu os ombros e se calou de repente. Continuei a encará-la, esperando que ela me dissesse logo o que sabia. — Juliet tentou ligar ontem, mas acho que o telefone está ruim por conta das últimas tempestades que caíram.

Ótimo. Eu havia ganhado algum tempo.

Por mais que parecesse ter sido fácil conseguir uma informação de Grace eu tinha percebido sua hesitação. Quando a vi tensionar os ombros ao ser questionada sobre meu destino, ela parecia travar uma pequena luta dentro de si. Não sabia se falava ou escondia o que sabia, por isso demorou a responder, e quando decidiu falar gaguejou, talvez por receio de falar demais.

— Sei que deve estar com medo...

— Medo do que? Dos soviéticos? — Ri diante de sua expressão de angústia. — Eu não tenho medo deles. Podem me matar se quiserem, da minha boca não sai nada.

— É muito corajoso da sua parte, porque eu no seu lugar, estaria com muito medo. — Confessou ao passar as mãos pelos braços, onde seus pelos se eriçaram instantaneamente.

Eu estava impressionado com sua transparência. Grace não parecia ter uma emoção ou reação que não ficasse visível a olho nu a qualquer um que a olhasse. Fiquei satisfeito ao constatar que manipular Grace e conseguir sua confiança não iria ser difícil. Ela me deixava saber se estava caindo ou não no meu papo.

Terminei de comer atraindo sua atenção. A menina pegou a bandeja e fez menção de deixar o quarto. Comecei a pensar em algo para impedi-la de ir embora, queria fazer mais perguntas, eu nem ao menos tinha chegado perto de saber algo concreto. Eu precisava me aproximar dela, ganhar sua confiança. E para conseguir aquilo teríamos que ter uma conversa decente, para que ela pensasse que me conhecia o bastante para confiar em mim.

E conversar por míseros dez minutos durante minhas refeições não iria nos aproximar.

A não ser que...

— Grace. — Ela se virou, e eu fiquei sem saber direito o que fazer. Aquela estratégia era muito precipitada. Mas se funcionasse, facilitaria tudo. — Hum... me ajude com os travesseiros? Quero ficar um pouco sentado na cama.

Mais uma vez Grace deixou a bandeja de lado e veio até a cama. Peguei minha perna machucada e com um pouco de dor a coloquei sobre o colchão. A loira se aproximou da cabeceira, ajeitando os dois travesseiros de pé, encostei minhas costas e percebi seu rosto próximo ao meu. Vi também em seu rosto o quão tensa ela estava por estar tão próxima de mim.

— E-Está confortável? — Gaguejou outra vez. A olhei nos olhos e suas bochechas voltaram a corar.

A puxei pela nuca num movimento rápido, colando meus lábios nos dela. O pseudo-beijo não havia durado muito. Logo Grace se afastou assustada, com os olhos arregalados se distanciou bruscamente da cama, olhando-me completamente pasma.

Merda!

— Grace, eu...Me desculpe eu nã... — A velocidade com que ela deixou o quarto foi surpreendente.

Suspirei alto, em pura frustração.

Será que aquele era seu primeiro beijo? Não! Não podia ser! Ela já tinha quase dezoito, era uma garota muito bonita, apesar de sua timidez extrema beirar a estranheza. Não parecia possível pensar que nunca nenhum garoto quis beijá-la.

Talvez sua reação exagerada fosse devido a isso. Bati em minha própria testa. Grace poderia estar brava por eu ter roubado um beijo dela, justamente por ter esperado tanto -até quase os dezoito anos- para encontrar "alguém especial".

Eu geralmente sabia como o mundo feminino funcionava, mas no caso de Grace, que parecia ser completamente diferente das que conhecia, tudo era quase uma incógnita. Temia que aquele fato a fizesse perder o pequeno resquício de confiança que eu havia acabado de ganhar dela, ou pior, que a fizesse ter medo de mim, como se eu fosse um tarado de merda!

— Porra! — Passei minha mão sobre o rosto. Se Grace não quisesse mais falar comigo, meu plano iria por água abaixo.

The enemy | H.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora