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  Quando eu e Lis chegamos ao teatro já se ouvia a multidão para quem eu irei contar a minha vida. Respiro fundo milhões de vezes, bebo muita água e quase choro de emoção, mas quando ouço por fim anunciarem a minha entrada, seguro o microfone e dou o primeiro passo ouvindo todos os aplausos. Paro no meio do palco quando tudo fica em silêncio e respiro fundo antes de começar.
  — Estou tremendo — é a primeira coisa que sai da minha boca e poucas risadas são ouvidas. — Quando pensei que diria ao mundo as coisas que passei e sobrevivi, pensava em um livro e nunca em uma palestra — encaro a todos nesse teatro — mas bom, digo que é ótimo estar aqui essa noite, pois, enquanto eu falo posso ver as reações, algumas de surpresa, outras sérias a apenas ouvir e absorver. Pensem comigo que é como um livro, cada um ler e imagina de um jeito diferente, eu não imagino qual seria as reações de vocês se dissesse que cresci num ambiente que para mim o mundo era apenas duas pessoas a dançar valsa quando, na verdade, na rádio passava Queen. O começo da minha história é resumido em poucas lembranças, há um tempo me lembrava melhor, mas com a idade — ouço risadas e me sento sobre o pequeno banquinho. — Para quem não me conhece sou Angel Jensen Cooper, tenho vinte anos e sou filha de uma grande artista e um grande médico. Há um tempo não estaria aqui, não estaria a contar essa história da minha vida e nem sei se escreveria um livro. A mais ou menos quatro anos eu não pensava no futuro, porque para mim o meu fim poderia ser amanhã. Quando pequena era uma garota que acreditava que tudo era conto de fadas e quem nunca? Vi minha mãe morrer na minha frente e ao longo dos anos me culpei muito por sua morte, me tornei uma pessoa quebrada a levar a primeira queda aos seis anos, as vagas memórias que tenho da minha mãe é apenas a dos beijos de boa noite e é triste... é triste você não lembrar mais da voz da pessoa que você ama. Não amou, ama ainda e isso foi mais uma rachadura na estrutura de barro. A minha infância foi muito difícil não só pelo fato que eu não ter mais uma opinião feminina, um guia feminino. Eu sofri bullying boa parte da minha vida e um dos meus maiores desejos além de morrer era dizer ao mundo que uma coisa que mata mais que qualquer doença, é o bullying. Milhões e milhões de adolescentes cometem suicídio por isso e muitas vezes o bullying passa como um simples probleminha que todas as crianças sofrem na escola. "Ah, mas é só uma fase", não! Não é só uma fase e o mal do ser humano é achar isso. "Ah ela vomitou porque é uma fase!" É normal os adolescentes se acharem feios "Ah ela teve um ataque de pânico é normal". Não! Às coisas passam a ser anormais quando você passa a não se sentir bem e quando alguém percebe que você não está bem, temos que parar de normalizar muitas coisas sérias, pessoas morrem por isso a cada dia. O dia em que descobri que meu pai e eu iríamos nos mudar para a casa da minha madrasta para mim foi a perca do meu chão, porque até então eu iria perder tudo que me conectava a minha mãe. Mas um pensamento me fez mudar de ideia, foi o pensamento do fato de ir para um lugar que ninguém me conhecia. Não iriam poder mais me xingar de nomes, de órfão e nem de assassina, estranha, porca ou baleia. Era um pensamento feliz que ninguém me julgaria por não conhecer a mim, porém... lembremos que pessoas julgam, porque não conhecem você! — Olho todos ali a lembrar do rosto de cada um que me humilhou. Jeremian, Jonathan e Augusto. — Eu me lembro bem de quando pisei naquela casa e disse a mim que ali não era o meu lugar. Mas Angel, você não disse que era bom por não te conhecerem? Eu me conhecia! Eu estava ali, um ano depois de perderem alguém e achava que me odiariam pelo simples fato de que eu poderia lembrar a pessoa para quem dirigiram seu luto, achava que a partir dali tudo não iria ser diferente, no entanto, as semanas se passaram e fui me adaptando, tive contato com pessoas, eu, um ser humano quebrado, que não tinha nenhuma vida social por medo de todos a tratarem mal, estava conseguindo me adaptar, no entanto, sabia que havia algo de errado. Toda vez que comia, vomitava e como todo o ser doente não queria acreditar que havia alguma doença, aquilo partiu do meu psicológico e dependendo de mim nunca havia percebido. Minha vida começou a mudarqundo comecei a enxergar o que estava me tornando, através da ajuda de outras pessoas — bebo um pouco de água ouvindo os aplausos. — O nome da primeira pessoa que me incentivou a mudar é Carl, e essa pessoa não fazia questão de mudar a si próprio, pois, acreditava que não seria capaz, olha que exemplo! Nós somos assim né? Ajudamos os outros e não acreditamos em nós mesmos! Carl me disse na nossa primeira vez em uma conversa de cinco minutos um segredo bobo, mas muito significante. Foi ali naquele quarto que eu vi a vulnerabilidade de uma pessoa tão fria quanto o inverno lá fora. Na minha mente só se passava que, o que ele passou foi tão ruim a ponto de arrancar de dentro dele toda a gentileza. Para mim nunca teria uma relação boa com ele porque talvez ele não queria, e ele provava todo santo dia que ele não queria uma relação comigo, fazia questão de lembrar para mim o quão o incomodava e pelo menos eu me sentia assim e tudo realmente mudou quando Carl me tirou de um lago — paro um segundo, isso faz tempo, conforme me lembro dessas coisas, também me lembro que há gente aqui que não sabe desse ato, e há gente aqui que pode ter isso como gatilho — eu havia tentado suicídio porque minha vida não fazia sentido. Ninguém gostava de mim, eu mesma me odiava, minha vida pra mim não tinha valor, era odiada sem motivos na escola e não fazia diferença. O que ele me disse naquele dia me fez enxergar uma coisa além de tudo. Simples palavras em um ato de desespero foram capazes de fazer eu ver a barbaridade que havia cometido, "eu me importo". Nós estávamos juntos em uma viagem de férias e aquelas semanas foram marcadas por duas frases que ficaram na minha vida. Eu me importo e precisamos um do outro. Comecei a pensar que, em algum lugar do mundo, mesmo que todos te odeie, de mil pessoas, novecentas e noventa e nove te odeiam, mas uma te ama e você precisa daquele ser e aquele ser de você. Seja seu pai, sua mãe ou seu gato. Não desista porque as pessoas ao seu redor não vê quem você é, elas olham, tem olhos para olhar, mas não para ver e Carl viu em mim, uma coisa que ele tinha nele, mas havia se ido, a gentileza. Era uma pessoa quebrada como eu e poderia concertar o erro que faltava no seu quebra-cabeça e ele consertar o meu erro. Ali ele passou a me dizer que precisava me cuidar, que estava doente e do mesmo jeito que ele me ajudava com a alimentação, passei a tentar por na sua cabeça que não era sua culpa tudo o que rondava ele. Ali entre paredes a rolar discussões que não levariam nós a nada, tentávamos suprir a dor um do outro. — Paro um pouco e respiro fundo soltando o ar logo depois. — Indo em questão da escola, havia uma coisa que eu pensava o meu tempo todo, a cada dia chegava o dia que iria para a clínica me tratar e o que eu tinha mais medo naquela hora era ficar lá só por quantos anos fosse preciso para sair curada, e eu me lembro bem de que uma frase marcou o fim do meu ano escolar, ele prometeu me visitar toda semana, e uma coisa que eu vejo agora é que, não sabemos como será o dia de amanhã e lembro-me bem que ao longo da nossa noite a sós na formatura e sentia algo diferente em cada toque que Carl dava no meu corpo, cada passo da dança, cada abraço e cada beijo. Era como uma despedida. Lembro de sentir algo aqui dentro como medo de nunca mais o ver. Eu o culpei e guardei uma mágoa porque era culpa dele eu estar presa naquela clínica, por ele não estar comigo me dando forças para continuar. — Todos soam tristes com o que digo — não fiquem com ódio dele, não hajam como quando estamos lendo um livro e não vamos com a cara do personagem, descobri que não o ver em três anos foi obra do destino, porque eu sabia que se o visse poderia fazer coisas que eu não seria capaz de estar aqui hoje contando, então o destino me separou dele para que ele também se cuidasse e que mais tarde os nossos problemas seriam diferentes e nós seríamos diferentes. — Travo um pouco a achar Daniel na plateia, estou aqui a assumir que eu tive algo com Carl e acho que isso não vai ser tão forte quanto saber que minha mãe verdadeira morreu no meu parto. — Na escola no tempo de praticamente um ano completo letivo, conheci uma menina que foi muito importante para mim. Quando comecei o meu tratamento para anorexia ela esteve comigo, me incentivou e fez o papel que uma amiga faria, mas havia uma coisa que mais pensava durante todos os dias dentro daquela clínica. Quando eu iria ver Fernanda e meus pais, e quando ele iria me visitar. Digo a vocês foram três anos de luta contra anorexia e bulimia, quatro tentativas de suicídios, pesadelos me deixando acordada por dias, livros e mais livros, remédios e mais remédios. Mas o meu único pensamento era, quando ele vem me visitar? Claro não sabia o que estava acontecendo fora daquela clínica. Quando se passou um ano de tratamento perdi as esperanças de receber uma ligação, de o ver de novo, ao invés de esperar ele vir me visitar esperava o final de semana para que eu pudesse finalmente sentir que podia dormir só, comer só. Eu ia para casa dos meus pais, aprendia a dirigir e comia sem culpa. Foi quando Fernanda me disse para criar um blog, onde contaria como era meus dias na clínica e incentivaria outras pessoas a também se curarem. Gravava meus dias, meus quadros, o livro que lia e as atividades que fazia. Com isso até hoje mesmo curada ajudei mais de vinte meninas e meninos a se curar dessa doença horrível. Eu e Fernanda fazíamos planos para quando eu saísse da clínica e quando sai? Não esperei nem mais uma semana e viemos a Londres, fomos garotas de sorte, ganhamos bolsas e praticamente faço minha faculdade de graça. Ganhamos um apartamento e em duas semanas já trabalhávamos, a vida estava gritando a nosso favor, haviam três coisas na nossa lista de desejo que já estavam cumpridas. Tínhamos emprego, apartamento e faculdade. Mas uma outra lista, uma lista dolorosa estaria aumentando em meses e eu iria me sentir realmente um vaso quebrado, eu já digo a vocês porquê. Voltando ao homem que eu nunca deixei de amar e pensar na minha vida inteirinha, já havia superado o fato de não ter mais visto ele depois da nossa formatura. Carl foi alguém muito importante para mim ainda é, mas quando esbarrei com ele na Street N64 eu tinha certeza que o que marcou nossa viagem estava certo. Precisávamos um do outro. Nosso tempo está acabando então vou continuar rapidinho. Ainda naquela Angel com rachaduras perdi um grande amigo, ele cometeu suicídio e deixou uma carta para mim, confesso que a guardo até hoje e sua perda foi algo que não consegui superar tão rápido. Eu descobrir que ele era alguém possessivo e que me observava, que a pessoa que mais me abri na vida estava perto de mim, talvez com medo de se revelar e me ver era a solução que ele encontrou. Mesmo assim foi um grande amigo. Voltando aquela lista que eu disse, Lucas estava nela, na lista das pessoas importantes que perdi ao longo da vida, e há exatamente duas semanas, Fernanda também faz parte dela — em couro todos ficaram tristes novamente — a pessoa que mais me incentivou a fazer tudo isso, que é o motivo de eu estar nesse palco hoje! Nossos planos haviam sido interrompidos, eu não sabia se seria capaz de estar de pé e continuar o que estava escrito no nosso bloco de notas. Mas estou aqui porque acredito que Fernanda cumpriu seu propósito e a poucos dias passei a pensar que se eu e Carl fomos separados era para que nós amadurecemos, fomos separados para sermos capazes de suprir a dor um do outro, não são mais conflitos internos. O propósito daquela frase que marcou nós dois era que agora estamos livres, não somos mais adolescentes quebrados, com problemas ou até mesmo a ter um relacionamento escondido entre beijos nos corredores. A minha história mostra que nem sempre devemos desistir e eu desisti cinco vezes. Mas também mostra que de mil pessoas no mundo, novecentas e noventa e nove vão odiar você, mas há sempre uma que vai estar lá, te amando, apoiando e incentivando. Carl foi essa pessoa na minha vida. Eu desisti, mas recomecei. Várias pessoas me odiavam, não tive muitos amigos, tive um relacionamento complicado entre eu com eu. Passei por doenças horríveis, momentos horríveis. Mas tive o apoio do meu pai, da minha madrasta e do me namorado que ninguém sabia que era namorado — todos riem. — Eu me apoiei no que era minha coluna. Nem todos somos fortes, eu mesmo desisti várias vezes, somos de carne e osso. Nem sempre aguentamos que façam uma ferida, que nos torture pondo o dedo nela, mas devemos vencer porque um dia iremos cantar vitória e fazer da nossa vida um livro de superação. Se eu fosse contar todos meus sentimentos ao longo do sofrimento que passei e da felicidade ficaríamos até amanhã, porém, deixo esse palco com uma frase e com esses quatro cadernos, dentro deles está a minha vida, meus sentimentos e quem sabe o meu coração. Devemos aprender com nossos erros, sofrimentos e com as lições que a vida dá. Somos seres que estamos em contante aprendizado, e se sofremos hoje, amanhã sorrimos. Nem todo sofrimento dura para sempre é preciso haver um dia de chuva para ter um arco-íris no fim do céu, se você não conseguir sozinho se apoie em quem te apoia e quer teu bem, não tenha medo de pedir ajuda, não tenha vergonha de querer se sentir bem, você já passou por muito.

Bati meu recorde, nem no final do primeiro livro escrevi tanto. Vote e comente fico agradecida ❤️

Destinados - Um Novo Recomeço- Livro 02Onde histórias criam vida. Descubra agora