Capítulo 33

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Farah
— Foi difícil encontrar seus cabos? — perguntou-me Manish logo que entrei em casa. — Você nunca demorou tanto.

Era difícil olhar para ele sem demonstrar frustração por ter sido manipulada. Foi preciso muito sangue frio para voltar para seus braços sem imaginar que em seus pensamentos ele ria da minha ingenuidade.

Coloquei minhas emoções para funcionarem como uma bomba: eu explodiria, mas só quando fosse seguro apertar o detonador.

— A loja estava cheia — menti e o encarei de cima à baixo. — Não trabalhará hoje?

— Tenho outros planos.

Gelei.

Deixei a sacola em cima do balcão perto das armas e contei quantos fuzis tinham ali. Quatorze. Como Manish conseguiu quatorze fanáticos para ajudá-lo a destruir sua própria cidade? Ele usara o que eu sentia por ele para me coagir, mas qual arma usara para todos os outros?

— É? O quê? — perguntei, casualmente.

Ele me puxou pela cintura e me virou. Me deu um beijo rápido. Eu nunca tinha percebido como seus beijos eram artificiais, mecânicos. Me deixava feito uma mendiga de afeto. Foi doloroso descobrir que ele não me amava, mas foi uma surpresa maior descobrir que nem mesmo desejada eu era.

Cada olhar, andado, fala, respiração de Manish, era calculado.

— Preciso que faça algo por nós — seus lábios foram na minha bochecha e ele acrescentou com esplendor: — Precisamos recuperar aquele Yen. Depois que o C4 explodir, teremos de deixar a cidade. Sabe disso.

Engoli saliva porque minha outra opção, era jogá-la na cara dele.

— Você o entregou a Damon. Tem ideia de como foi difícil roubá-lo uma vez?  E outra, Damon provavelmente já deixou Agira.

— Não. Ele não deixou. Coloquei um rastreador no saquinho. Queria me certificar de que ninguém nos roubaria em um descuido.

Mordi o lábio inferior para que Manish não me visse tremendo.

— Um rastreador? Onde foi que conseguiu isso?

— Na lojinha do chinês. Aquele lá que tá sempre com um fone de ouvido — respondeu e eu o conhecia o suficiente para saber que linhas se formavam na sua testa quando estava mentindo. — Antes daquele Yen eu trabalhava feito um louco para conseguir dinheiro para nos mandarmos daqui e então você apareceu com esse pote de ouro. Você não tem ideia de quanto pagariam por ele na dark web. 

— Não é fácil assim...

— Não precisaria mais do dote do seu pai, djan. E a essa altura, é impossível conseguir. Ele já não ganhou dinheiro com sua virgindade, acha que ele vai tirar alguma rupia do bolso dele para entregar a você apenas por ser a caçulinha dele? Nem sob tortura — empunhou sua arma inofensiva: persuasão.

Ah, sejamos sinceros. Era isso que Manish fazia o tempo todo e eu não via. Ele conseguia o que queria de mim me deixando vulnerável.

Senti pena de mim mesma.

Evitei o sentimento de rancor para que a situação não saísse de controle. A raiva travaria meu cérebro e eu precisava dele mais que tudo a partir de agora.

— Faremos o errado agora para depois desfrutarmos uma paz perpétua — acrescentou em uma fala mais cálida e treinada, diante meu silencioso conflito. Deslizou os dedos por meus cabelos e colocou uma mecha atrás da orelha.

Ele não pode desconfiar de nada. Lembrei do aviso de Damon.

— O que sugere que eu faça? — respondi, feito a grande idiota que eu costumava ser.

O Corvo das Ilhas Gregas (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora