Capítulo 35

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Corvo

— É aqui que vocês se escondem? — perguntei a Farah. Nos aproximamos pelos fundos. E independente de todas as luzes da casa estarem apagadas, nos espreitamos com cautela.

— Para mim é um esconderijo, para Manish, seu lar.

Acompanhei Farah até a casa em que ela estava escondida com o indiano. Ver a construção com telhados em madeira foi o bastante para me fazer entender a profundidade da sua pobreza. Havia lixo por todos os lados, o fedor de esgoto me causava ânsia, as roupas penduradas no fio eram desbotadas pelo sol. Eu senti pena, antes de qualquer coisa, e logo me lembrei que aquele homem não merecia minha comoção.

Ele queria tirar o pão da boca dos que não tinham nada além deste pão. Eu me lembrei da fome que já passei enquanto vagava pelas ruas após ser dispensado do orfanato por já ter idade o bastante para me virar sozinho. Nenhuma dor me doeu mais que a de ter o estômago vazio, a fome era forte e real como um bicho me devorando de dentro para fora, me deixando só ossos e pele. Eu nunca desejaria tamanho mal para alguém. Nem para meu pior inimigo.

— Obrigada por não ter dito nada sobre mim pros gêmeos.

Exercitei minha paciência.

— Não o fiz por bondade. Fiz para não acharem que sou um imbecil facilmente enganado.

— Sinto que devo agradecê-lo mesmo assim — retificou.

Arfei.

— Eles gostam de você. Ficariam arrasados se soubessem que tentou nos matar. Esse tipo de coisa faria com que não confiassem em mais ninguém.

Meu comentário pareceu ter manifestado um vendaval dentro dela, mas eu achei que era justo fazer com que se sentisse da mesma forma que me senti.

O vazio tinha de ser o mesmo.

— Podemos nos ver amanhã?

O mundo pareceu girar rápido demais.

— Não sobrevive um dia em minha ausência? — Aproveitamos o cercadinho para conversar.

— Preciso ficar de olhos em você para garantir que não deixará a Índia casado — brincou para dizer em um timbre mais sério: — Amanhã será dia de oração no Taj Mahal. Seria interessante se déssemos uma espionada para ver se algum dos mercenários de Manish estará por perto.

E mesmo com tudo, entre traições, roubos e ofensas, eu continuava vendo beleza dentro e fora daquela mulher. Como isso era possível?

Pelo congelar do meu coração, descobri que havia algo de errado acontecendo comigo.

— Sim. Concordo. Conseguirá tirar Manish da sua cola?

— Não se preocupe com isso.

Eu não me preocupei.

Mas no fundo eu sabia que deveria.


Mas no fundo eu sabia que deveria

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O Corvo das Ilhas Gregas (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora