Capítulo 34

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Jantamos em silêncio. Eu, na verdade, só revirei a comida no prato sob um atento olhar de Manish.

— Está sem fome? — Me questionou.

Cavouquei o arroz sem levá-lo à boca uma vez sequer.

— Estou cansada. Só isso — menti.

Ele esticou o braço sobre a mesa e pegou minha mão. Estremeci em um descuido e Manish não deixou passar batido.

— Não é só isso, não. Está calada desde que voltou do passeio.

O olhei com fúria.

— Passeio? Damon podia ter me matado.

Se empertigou na cadeira.

— Não seja boba, djan. Se este homem quisesse matá-la, já o havia feito. Agora, coma.

Eu não daria a conversa por finalizada até que arrancasse algo útil da sua boca.

— Mandou Raj me seguir.

Manish largou os talheres no prato.

— Não queria que você e sua irmã cruzassem o caminho uma da outra por acaso.

— Foi o que Raj me disse. Por um momento pensei que...Deixa pra lá.

— Não, fale.

— Pensei que não confiasse em mim.

— Por que eu não confiaria? — Perguntou em um erguer sútil de sobrancelha.

Respirei fundo e empurrei meu prato de comida pro canto para me inclinar sobre a mesa.

— Eu sei que tem planos que não está compartilhando comigo. — Entreguei o jogo em uma fala desgovernada somente para ter o prazer de vê-lo arregalar os olhos. — Eu os ouvi falarem sobre as cúpulas.

Djan, eu...

Peguei em sua mão e a apertei com afeto.

— Está tudo bem, Manish. Estou farta disso tudo, assim como você. Há um tempo que não oro, que não pratico meu dharma. Não tenho moral para julgá-lo. — O fitei de forma nobre e singela, coadunando nossos pontos de vista divergentes. — Estou com você.

— Mesmo? — Aquiesci, dando garantia à sua ilusão e insensatez. — Você não sabe o quão bom é ouvir isso, djan. Você não sabe o quanto eu me odiava por não te contar toda a verdade.

Meus pés esfriaram descalços no chão.

— Me conte agora. Eu quero saber tudo e poder ajudá-lo. Estou farta de esconder que o amo. — Incentivei, tentando não parecer uma inimiga que tinha pressa.

Ele virou todo o copo de água na goela antes de expirar para me responder.

— Eu conheci uns rapazes quando me mudei pro Irã. Homens miseráveis, passavam fome, frio. Viviam entre imundices, doenças, ninguém nunca olhava para eles...Era horrível, djan — refletiu. — Uns anos depois, eu me tornei um desses homens. Meu pai e minha mãe morreram após um atentado terrorista na nossa cidade que eliminou o principal chefe militar. Eu não tinha para onde ir, ou o que vestir e comer. Estes homens miseráveis que pouco tinham, foram os únicos que me estenderam a mão. Eu me lembro de acordar noites com os dentes batendo de frio. Das horas com fome que por vezes pareciam meses. — Pressionou os dedos nos olhos para controlar as lágrimas. — De todas as lembranças, a que mais me assombra, é a dos homens e das mulheres bem-vestidos nos evitando como se fôssemos peste negra.

Foi fácil de encontrar a sua motivação.

— É por isso que quer destruir a nossa cidade? Pelo que aconteceu no Irã?

O Corvo das Ilhas Gregas (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora