Lar doce lar

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— Ele não se lembra de nada? — Joon perguntou, incrédulo. — Como?

O Huang mais velho estava sentado em uma sala fornecida pelo chefe do hospital a pedido do xerife, juntamente com Yifan, Yixing, Minseok e um médico até então desconhecido, que estava colocando um pouco de café em sua xícara. Os alfas estavam perplexos com a novidade que Minseok os trouxera.

— É normal acontecer com vítimas de grandes traumas. — o médico que estava na sala disse, se virando para encarar os demais. — O cérebro nos protege de nossas memórias traumáticas, é como um computador, como se as lembranças fossem isoladas em algum lugar para não causar emoções muito intensas e difíceis de suportar.

— E o senhor seria?... — Yifan perguntou.

— D.O Kyungsoo — sorriu. — É um prazer! Me desculpem me intrometer na conversa de vocês. Sou o chefe da psiquiatria desse hospital. — explicou.

— É um prazer, senhor! — Kris disse para quem, pelo cheiro, seria um beta. — Sou Wu Yifan, o xerife, e esses são Kim Minseok, Zhang Yixing e Huang Joon. — os introduziu.

— O senhor é o pai do Zitao? — o D.O perguntou para o alfa, que afirmou. — Queria falar com o senhor desde quando o garoto chegou, mas achei que precisava de um tempo com seu filho. Se não se importa, eu gostaria de fazer algumas consultas com o Zitao, acompanhá-lo psicologicamente... — propôs.

— Claro, claro! — Joon respondeu. — Será de grande ajuda! — sorriu fraco.

— Doutor? — Minseok chamou. — Tem algum jeito de fazer essas memórias voltarem? — pigarreou.

— Com o tratamento certo, sim. — garantiu. — Mas não posso dizer quanto tempo isso irá demorar...

— E isso poderia fazer mal para o ômega? — Yixing perguntou ao ver o cenho franzido de Yifan, como se ele estivesse se perguntando a mesma coisa.

— As reações são variadas, não vou mentir que dado o tipo de acontecimento o ômega pode sim ter reações difíceis de lidar mas, com o tratamento talvez possamos amenizar as emoções. — esclareceu.

— Leve o tempo que precisar, doutor. — Yifan disse. — Nós podemos esperar.

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Joon adentrou a pequena casa, sendo seguido por Zitao que observava tudo atentamente. O ômega tinha recebido alta naquela noite, após ter sua primeira consulta com Kyungsoo, que pediu para que o alfa o levasse novamente para consultas regulares com o psiquiatra.

Zitao tinha seu braço enfaixado com um leve formigamento, porém não sentia tantas dores por estar tomando o medicamento receitado pela médica. Trajava algumas roupas do pai e por cima, o casaco do xerife que — além do cheiro, que lhe era agradável — era demasiadamente quente. Desde que voltara a ser humano não conseguia se aquecer e qualquer brisa, por mais leve que fosse, o deixava tremendo de frio. Os médicos disseram que pelo ômega estar coberto de pêlos, sempre mantinha a temperatura alta, porém não estava acostumado com o clima ambiente na forma humana e por isso seu corpo reagia com mais sensibilidade.

O mais novo prestava atenção em cada detalhe, percebendo que a maioria das coisas continuavam do mesmo jeito de anos atrás, e podia se ver com seus 13 anos correndo por todos os cômodos enquanto brincava. Se encolheu debaixo do casaco grande ao lembrar disso. De certa forma, parecia errado pensar em sua infância.

— Seu quarto ainda está lá em cima. — ouviu seu pai dizer e o encarou. — Eu não consegui mexer nele desde... bem, você sabe. — completou sem graça.

Tao andou até a escada, observando a mesma. Os degraus da madeira já velha pareciam não ter fim. Subiu o primeiro, ouvindo a madeira ranger sob seus pés. Joon o observava de longe, tentando decifrar o que se passava na cabeça do jovem.

— Eu vou fazer algo para você comer. — o alfa disse e Zitao concordou.

O alfa já estava rumando para a cozinha quando parou e olhou para trás, assistindo o mais novo tocar o corrimão da escada com calma, como se fosse algo novo.

— Nós podemos comprar roupas para você amanhã! — sugeriu. O ômega se virou para observá-lo, franzindo o cenho como se pensasse na ideia. — Ou talvez outro dia, quando você estiver pronto... — deixou a frase no ar.

Zitao umedeceu os lábios. Certamente ele não poderia ficar somente com as roupas do pai ou o casaco daquele alfa que nem sequer sabia o nome — embora a ideia parecesse tentadora —, até porquê teria que devolvê-lo para o mesmo uma hora ou outra.

— Talvez, — o ômega começou. A voz baixa preenchendo o ambiente que se encontrava em um silêncio desconfortável. — nós possamos fazer isso na próxima semana... — sugeriu.

— Claro! — seu pai concordou rapidamente. — Na próxima semana é uma ótima ideia! — sorriu confortante, vendo o ômega tentar fazer o mesmo, não passando de um leve curvar de lábios.

Joon continuou seu caminho de outrora, não sem antes observar o ômega subindo as escadas, degrau por degrau, como se estivesse inseguro do que fazia. Quando chegou no andar de cima, olhou para os lados, observando quatro portas. Se bem se lembrava, a última porta do corredor era do quarto de seus pais; era sempre pra lá que corria quando tinha algum pesadelo com fantasmas e era acolhido, com muito carinho pelos dois até adormecer e seu pai o levar de volta para a cama.

A porta seguinte era a do banheiro e a porta em frente a si era a do quarto de seu irmão. Se lembrava dos dias em que entrava por ela alegre, pronto para chamar seu irmãozinho para brincar consigo. Automaticamente sua mão rumou até a maçaneta da porta, seus dedos contornando o metal gelado. Engoliu em seco e travou sem chegar a girá-la. Sentia um nó se formando em sua garganta e seu coração estava descompassado.

Se afastou.

Talvez ainda não fosse a hora de encarar aquilo.

Seu olhar vagou até a última porta; a mais solitária. Diferente das outras, ela ficava sozinha na outra ponta do corredor. Se aproximou devagar e quando chegou perto, não demorou para abrí-la.

O quarto estava do mesmo jeito que dá última vez que se lembrava. As paredes em um tom de azul com a tinta já desgastada pelo tempo. Se recordava de como havia implorado para seus pais o deixarem pintar seu quarto daquela cor e depois de muito insistir, eles lhe concederam a permissão.

A cama estava bem arrumada, como se tivesse sido recém-feita. Ao contrário do que imaginou, não havia resquício de poeira. Abriu as portas do guarda-roupa velho, reparando em todas as suas roupas de antigamente ali guardadas; intocadas.

Contudo, um detalhe chamou mais a sua atenção.

Perto da cama, em cima do criado, estava um ursinho de pelúcia bastante desgastado pelo tempo. Segurou o objeto macio, observando com cuidado os remendos, obras de segunda-mão feitos pela sua mãe — que não era lá uma costureira nata.

A pelugem marrom e os olhos feitos com botões azuis, o mais próximo da cor de seus olhos que os dois, mãe e filho, conseguiram encontrar. Aquele urso era tão precioso para si na época de sua infância e adolescência. Mordeu os lábios com a nostalgia.

Se sentou na cama, se remexendo desconfortável com a maciez — não estava acostumado com colchões — e por fim decidiu se sentar no chão, usando a cama como encosto. Manteve os joelhos dobrados e o urso em suas mãos. Fazia um leve carinho no tecido da pelúcia enquanto seus olhos percorriam o quarto.

Zitao parecia tão pequeno naquele lugar.

Levou a pelúcia até seu peito, a abraçando como se fosse um refúgio; um ponto seguro.

E durante aquele abraço, o Huang se permitiu chorar, se sentindo sufocado com o ambiente ao seu redor. Não fez barulho, pois sabia que seu pai iria ouvir, usando o velho urso como abafador dos soluços.

Tudo ali lhe parecia tão errado, como se não estivesse mais em casa.

E em seus pensamentos, ele não merecia estar.


Twitter: wuyifxxck

Selvagem [wyf+hzt]Onde histórias criam vida. Descubra agora