Assim que o Pedro sai da minha sala, tenho uma crise de choro que leva um certo tempo para ser controlada. Uma mistura de sentimentos toma conta de mim e eu me vejo perdida.
Sem ter condições de continuar com os atendimentos, peço que remanejem o restante dos pacientes para a outra pediatra de plantão e sigo para o banheiro.
Trancada em uma das cabines, reflito sobre o que acabou de acontecer e chego à conclusão de que agi de forma muito errada em diversos aspectos.
Em primeiro lugar, eu teria que manter meu profissionalismo e jamais poderia fazer insinuações sobre a Silvia. Tudo bem que a primeira impressão que tive dela não foi das melhores, mas dar a entender que as marcas no braço de Lorena poderiam ter sido causadas por ela, é tão grave que pode colocar minha carreira em risco, afinal, se essa suspeita fosse mesmo levantada, minha conduta teria que ser diferente.
Eu precisaria acionar a polícia, afinal, se trataria de uma criança sofrendo maus tratos e isso é algo extremamente grave, podendo resultar até numa perda de guarda.
Mas e se fosse verdade? E se a filha do Pedro realmente estivesse sendo agredida por alguém? Eu não menti quando disse a ele que vi muitas coisas relacionadas a madrastas e padrastos, assim como os próprios genitores podem ser capazes de coisas terríveis contra seus filhos.
" Mariana...Mariana...Você se deixou levar pelas emoções, misturou as coisas e agora precisa dar um jeito de consertar ", penso antes de sair do banheiro.
Já no corredor, tomo uma decisão que pode acarretar em um grande prejuízo profissional para mim, mas minha consciência grita e eu preciso calá-la, por isso sigo direto até a sala da diretoria, onde devo encontrar Selma Valiera, diretora do meu setor.
De frente para a porta que tem uma placa com seu nome, dou três batidas com os nós dos dedos, rezando para que ela esteja sozinha e possa me atender.
— Pode entrar! — Ouço a voz e reconheço, é ela.
Empurro a porta e a encontro em pé, tomando um copo d'água. A jovem senhora sorri para mim, seus olhos azuis contrastam com seus cabelos negros e embora seu rosto tenha traços fortes, há algo nela que transmite paz.
—Doutora Valiera...Bom dia. —Entro e fecho a porta.
— Bom dia, doutora Mariana. Está melhor? —Ela se aproxima de mim e afaga meu rosto. — Me disseram que você não passou muito bem.
— É, eu acabei tendo uma crise nervosa e, é justamente por isso que estou aqui. —Engulo em seco. — Eu preciso falar sobre o que me causou isso.
A diretora me olha com um ar de preocupação, franze o cenho e aponta para uma das cadeiras que fica na frente de sua mesa. Sento-me e em seguida ela também toma seu lugar, bem em minha frente.
— Estou aqui para te escutar.
Limpo a garganta com um breve pigarro.
— Acho que cometi um grande erro hoje...Eu deixei que minha vida particular interferisse em um atendimento que prestei à uma paciente — confesso e, ao ouvir em voz alta o que minha consciência fala, sinto-me ainda mais envergonhada.
— Então preciso que me diga o que houve. —Ela segura o queixo e mantém seus olhos nos meus.
— Acontece que me envolvi emocionalmente com o pai de uma garotinha a qual eu sou pediatra. Nós não chegamos a ter um relacionamento, mas eu me apaixonei e agora ele está namorando outra mulher; Pedro é viúvo e hoje ele trouxe a Lorena até aqui por causa dos dentinhos que estão nascendo, só que quando eu a examinei, notei umas marcas em seu bracinho... — Faço uma pausa, minha voz está embriagada e eu preciso me recompor. — Eu perguntei para ele se sabia como aquilo tinha acontecido, mas o Pedro pareceu não ter ideia e eu acabei insinuando que poderia ter sido sua noiva...Fiz isso por raiva, mas , o que mais me preocupa é se a pequena realmente estiver sofrendo algum tipo de agressão.
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Era para ser assim
RomancePedro Motta Assunção é um homem que teve uma infância difícil, marcada por traumas e rejeições. Quando acredita ter encontrado a felicidade, uma tragédia marca sua vida e o coloca dentro de um grande desafio: criar sua filha recém-nascida, sozinho...