Ela não consegue ficar sentada, as mãos estão agitadas e eu também estou inquieto, mas prefiro me manter no sofá para escutar o que ela tem para dizer.
— Olha, Pedro...Em primeiro lugar, quero que saiba que tudo o que fiz foi por amor...amor à minha neta e respeito à memória da minha filha.
— A senhora está me assustando... — Minha respiração fica curta. — O que foi que a senhora fez?
Dona Odélia volta seus olhos para o marido que está sentado bem na minha frente, tenho a impressão de que ela busca coragem para falar. Noto que ele a incentiva quando movimenta a cabeça em um sinal positivo.
— Como eu já disse, essa mulher, a Silvia... Foi você ficar noivo da Fernanda e o inferno começou, depois, quando se casaram ela deu uma trégua, minha filha achou que ela tinha se conformado, mas quando ficou grávida, ela ressurgiu. Eram telefonemas, mensagens e até mesmo aparições inesperadas... — Ela puxa o ar e senta-se ao lado de Osmar. — Aqui, nesta casa, ela chegou a vir duas ou três vezes atrás da Fernanda, inclusive, um dia antes do acidente.
Sem perceber, estou balançando a cabeça, não me conformo com o que estou escutando.
— Como é que a Fernanda escondeu isso de mim? — Levanto-me num rompante.
— Minha filha o amava demais, ela não queria se indispor com você, achava que você não acreditaria nela ou sei lá o quê...— Ela passa as mãos pelos cabelos e inclina o corpo para frente. — Bem, o fato é que meses atrás ela voltou a aparecer aqui, eu estava voltando do supermercado e a Silvia me abordou, pediu para conversar comigo, disse que era um assunto que envolvia a minha neta e eu decidi ouvi-la, mesmo não gostando nenhum pouco dela.
— Como assim? — Indigno-me com suas revelações. — O que a Silvia poderia querer tratar sobre a Lorena?
— Ela odeia a minha neta e deixou isso bem claro nesse dia. — Dona Odélia morde os lábios antes de prosseguir. — A Silvia disse que você e ela sempre tiveram um relacionamento amoroso, que isso começou no orfanato e que se manteve mesmo enquanto você estava com a Fernanda.
— Isso é mentira! — Exalto-me.
— Deixe-a terminar, Pedro. — Seu Osmar intervém.
Fecho os olhos e tento manter a calma, ou ao menos fingir que o faço.
— Está certo... — Levanto as mãos em rendição. — Estou ouvindo.
— Imagine como foi difícil para mim, ouvi-la dizendo todas essas coisas... Então, quando ela me falou que em breve se casaria com você e que não haveria espaço para a Lorena na vida de vocês, eu não pensei duas vezes e aceitei participar do plano dela. — Sua voz está embargada ao final dessa frase.
— Plano? — questiono-a enquanto me aproximo dela.
Ela bufa.
— Exatamente...Ela armou um pano para fazê-lo perder a guarda da Lorena e eu participei. — Seus olhos estão nos meus, marejados, assim como os meus. — Ela me instruiu a entrar com o pedido de guarda e depois, naquela noite, quando você foi acusado de ter deixado a minha neta sozinha, tudo foi arquitetado por ela... A falsa viagem à trabalho, dispensar aquela senhora que olhava a Lorena e a ligação para conselho tutelar. — Ela cobre o rosto com as mãos e começa a chorar. — Eu sabia de tudo, por isso cheguei tão rápido até a sua casa.
Ajoelho-me em sua frente, tamanho meu torpor, não consigo acreditar que a Silvia foi capaz de tudo aquilo, no entanto, enquanto vou montando mentalmente aquele quebra-cabeça de mentiras, tudo parece fazer sentido, embora algumas peças ainda estejam faltando.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Era para ser assim
RomancePedro Motta Assunção é um homem que teve uma infância difícil, marcada por traumas e rejeições. Quando acredita ter encontrado a felicidade, uma tragédia marca sua vida e o coloca dentro de um grande desafio: criar sua filha recém-nascida, sozinho...