Depois de fugir da cena do acidente, vou até a casa do Laércio para devolver o carro que ele me emprestou. A sensação de adrenalina pelo que fiz, ainda corre em minhas veias e isso é bom, tal qual uma carreira de cocaína.
— Fez um estrago e tanto no carro, não é, docinho? — reclama, depois de dar uma volta completa em torno da S.U.V.
Reviro os olhos e jogo a minha bolsa no chão, sentando-me ao lado dela.
— Eu não pedi essa merda emprestada, para dar um passeio no shopping — argumento, enquanto acendo um cigarro. — E pare de me chamar de docinho, você sabe que eu odeio esse apelido.
Ele estreita os olhos e caminha com passos lentos até mim, o sorriso no canto dos lábios indica suas próximas ações. Dou uma longa tragada e quando ele se abaixa em minha frente, solto a fumaça em sua cara.
— Vai custar caro o conserto do campeão ali. Funilaria, pintura...Sabe como é...
— Sei, sei sim — respondo raivosa. — E sei também como vai ser o pagamento. — Levanto-me com o cigarro entre os dedos. — Do mesmo jeito de sempre, do mesmo jeito como quando me levava uma barra de chocolate no orfanato, ou uma boneca...
Laércio também se levanta.
— Falando desse jeito, até parece que você não gostava... — Ele se aproxima de mim. — Eu sempre fui muito carinhoso com você; te fiz mulher.
Fecho os olhos e balanço a cabeça, as lembranças do passado começam a surgir e eu não quero que elas venham à tona, porque não sei lidar com elas.
— Tudo bem, Laércio. — Jogo o cigarro no chão e o apago com a ponta da minha bota. — Vai querer aqui ou vamos para o seu quarto? Só preciso que seja rápido, porque eu quero acompanhar de perto o sofrimento do Pedro, durante o velório da quase esposa dele.
Ele para nas minhas costas, afasta meus cabelos e afunda o nariz no meu pescoço. Uma das mãos alcança o botão da minha calça.
— Pode ser aqui mesmo — diz, abrindo-o. — Mas não vamos fazer nada com pressa, docinho.
****
Em minha casa, tomo um banho demorado, esfrego cada centímetro do meu corpo, a fim de me livrar do cheiro daquele homem. Ele sempre usou o mesmo perfume, por diversas vezes no orfanato, eu sabia que ele estava no meu quarto, só por causa do perfume.
O aroma adocicado misturado com tabaco, invadia os meus sonhos e quando eu abria os olhos, lá estava ele.
Enquanto ele me tocava, eu sentia nojo, mas depois, sempre vinham as recompensas e aos poucos eu fui me acostumando, tanto, que nunca consegui me livrar dele.
Mas depois que o Pedro e eu finalmente ficarmos juntos, Laércio não encostará nem mais um dedo em mim, os planos para me livrar dele estão cada dia mais fomentados em minha cabeça, e para isso, eu preciso ter certeza de que o Paulo está sob o meu domínio.
Visto-me rapidamente e pego o meu telefone celular, deito-me em minha cama antes de ligar para o irmão do Pedro, quero estar bem confortável para receber a triste notícia sobre a fatídica morte da sua cunhada.
— Paulo, você pode falar? — indago, assim que ele me atende. Sua voz é quase um sussurro e ele parece estar em um lugar silencioso.
— Só um minuto — pede e eu posso sentir a tensão, mesmo do outro lado da linha. — Silvia, você nem pode imaginar o que aconteceu.
— Credo, Paulo, falando assim você me assusta! — Tapo o telefone para disfarçar meu riso. — O que houve? Sua voz está estranha...
— A Mariana... Ela sofreu um acidente...
— Um acidente? — Finjo surpresa. — E como ela está?
— Então, eu estou aqui no hospital com o Pedro, ela passou por uma cirurgia e ele acabou de entrar para vê-la.
Demoro um tempo até assimilar o que acabo de ouvir. É como se eu acabasse de tomar um tapa na cara.
— A pediatra está viva? É isso? — Deixo escapar, tamanho o meu desespero. — Quero dizer, apesar de não gostar dela, não desejaria que ela...bem, que ela morresse.
Paulo suspira.
— Exatamente...Você resumiu bem como estou me sentindo. Vendo o sofrimento do meu irmão, a dor que ele está sentindo, acaba que eu fiquei me questionando se essa vingança faz algum sentindo.
Droga! Droga! Droga!, praguejo em pensamento. Tudo está fugindo do planejado. Como a infeliz da Mariana pôde ter sobrevivido ao acidente? E para piorar, agora o idiota do Paulo tendo crise de consciência...
— Olha, eu te entendo, mas precisa se lembrar que meses atrás era você quem estava sofrendo em um hospital, vendo sua mãe definhar e isso, depois que seu irmão virou as costas para ela — apelo. — O Pedro pode parecer bonzinho, mas ele não vale nada... E eu sei bem o que estou dizendo. — Finjo estar emocionada. — Sabe, eu não queria ter que falar sobre isso, porque é algo que ainda me machuca demais, só que talvez seja a única forma de você entender a razão pela qual eu também busco vingança.
— Sobre o que está falando? — Paulo se mostra intrigado.
— Sobre o que seu irmão fazia comigo enquanto estávamos no orfanato...Sobre como ele me manipulou, dizendo que me faria mulher, porque eu seria a mulher dele para vida inteira... — Fungo. — Hoje eu consigo perceber que ele só me usou.
— Silvia, meu irmão era um garoto... — murmura perplexo. — Está querendo insinuar que ele...?
— O Pedro é três anos mais velho do que eu e isso faz bastante diferença... Eu era uma menininha boba, uma criança abandonada pelos pais que viu no amigo mais velho um porto-seguro...Só que seu irmão se aproveitava de mim, da minha ingenuidade e só hoje eu posso ver isso claramente, porque mesmo depois de tudo isso continuei acreditando nele e veja no que deu...Eu fui trocada como uma muda de roupa.
— Eu...Eu nem sei o que dizer...Estou me sentindo confuso, perdido, sei lá.
— E eu estou precisando de você. — Arrisco todas as minhas fichas. — Paulo, assim que puder, me encontre no hotel, eu preciso sentir que alguém se importa comigo.
Ouço-o bufar.
— Tudo bem, eu vou dar um jeito de dar uma escapada deste lugar...Odeio hospitais e já estou me sentindo sufocado aqui...
— Que bom. Eu vou indo para o hotel...Fico te esperando. — Continuo fazendo-me de vítima.
Despedimos-nos e eu sinto que consegui puxá-lo de volta para o meu lado. Agora, mais do que nunca, vou precisar dele. Se a Mariana sobreviver, eu estou ferrada, portanto, isso não pode acontecer.
*****
Mas gente...Essa Silvia é mesmo terrível.
Aguardem cenas dos próximos capítulos.
Com amor,
Biah Gomes e Nana C. Fabreti
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Era para ser assim
RomancePedro Motta Assunção é um homem que teve uma infância difícil, marcada por traumas e rejeições. Quando acredita ter encontrado a felicidade, uma tragédia marca sua vida e o coloca dentro de um grande desafio: criar sua filha recém-nascida, sozinho...