A madrugada tem início e com ela toda a minha tormenta, a insônia, fiel companheira de muitos anos, impede-me de descansar.
Já devorei uma caixa de bombons e os coloquei para fora minutos depois, também acabei com a única bebida alcoólica que tinha aqui em casa, uma vodca barata que ganhei o Laércio, aquele desgraçado.
Saber que em poucas horas vou estar livre dele, deveria causar-me uma sensação de euforia, de alegria desmedida, mas não, nem de longe é assim que estou me sentindo.
Sentada no chão frio da cozinha, com as costas repousadas na geladeira e com um cigarro aceso entre meus dedos, tudo o que consigo pensar é que vou perder alguém que sempre me socorre quando preciso.
Sei que vou ter o Pedro ao meu lado, mas não vai ser a mesma coisa, afinal, eu nunca vou poder mostrar-me de verdade para ele; já o Laércio, esse sim sabe quem sou, ou melhor, ele é parte do que sou, e assim, pensando friamente, acho que somos criatura e criador.
Incomodada com meus próprios pensamentos, levanto-me e sigo direto até o meu quarto, hesitei o quanto pude, mas preciso de algo mais forte, algo que me tire dessa realidade confusa onde me encontro e, meu pozinho mágico é capaz disso.
Mal ele começa a agir e já me sinto melhor, a angustia que me assolava dá lugar a uma energia renovadora, tanto, que tenho vontade de dançar.
— Nada vai dar errado... Assim que o Paulo me entregar a menina, o Laércio dá um fim nele, depois ele some com a pestinha e eu vou em busca do meu final feliz... — verbalizo meu plano em frente ao espelho e cada vez que o repito, sinto mais convicção de que tudo terminará bem.
****
O dia começa a clarear e eu ainda estou me divertindo em minha festinha particular. Decido tomar um banho, me arrumo com calma e sigo até o local onde combinei meu encontro com o Paulo.
É um sítio bem afastado da cidade, pertence a um amigo do Laércio e pelo que entendi, serve para " eventos", como o que estou organizando.
Ele passou a noite lá, preparando tudo para sua fuga e seu recomeço. Não sei para onde ele vai com a filha do Pedro e nem quero saber, quando tudo tiver terminado, vou fazer questão de colocar essas lembranças bem no fundo da minha memória, da mesma forma que fiz com as do acidente da Fernanda.
Aproveitando-me do transito tranquilo, pego meu celular e mesmo dirigindo, gravo uma mensagem para o Paulo:
— Bom dia, querido... Espero que esteja se preparando para cumprir com o que combinamos. Estou seguindo para o sítio e espero vê-lo em breve lá... Claro, com a nossa pequena galinha dos ovos de ouro...Lembre-se de que a garotinha é o passaporte par nossas novas vidas...Um beijo e até breve. — Termino de falar e envio o áudio.
São sete e quarenta da manhã e ele já deve estar acordado.
Tentando segurar minha ansiedade, coloco meu telefone de volta na bolsa e só volto a pegá-lo quando entro na estrada onde o sítio está localizado.
Ao verificar que ele acaba de me responder, acelero até a entrada da propriedade e paro o carro bem em frente a um grande portão de madeira escura, que um dia deve ter sido muito bonito, mas agora está corroído por cupins a ponto de ter buracos por toda a sua extensão.
Com o coração batendo em descompasso, abro a mensagem e leio-a em voz alta:
— " Silvia, tenho duas notícias para te dar, uma delas é que eu estou a caminho e a filha do meu irmão está comigo, dormindo na cadeirinha, no banco traseiro do meu carro... Foi mais fácil do que imaginei, me passar pelo Pedro foi tranquilo e ninguém desconfiou de nada. A segunda notícia é que, assim que saí da casa dos avós da Lorena, a Luíza, amiga da Mariana, me telefonou, implorando para que eu fosse ao hospital...Os resultados dos exame saíram e ela realmente não resistiu ao acidente..." — Meu coração para por alguns instantes, chego a sentir-me atordoada.
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Era para ser assim
RomantizmPedro Motta Assunção é um homem que teve uma infância difícil, marcada por traumas e rejeições. Quando acredita ter encontrado a felicidade, uma tragédia marca sua vida e o coloca dentro de um grande desafio: criar sua filha recém-nascida, sozinho...