Capítulo I

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É uma verdade reconhecida que um homem viúvo, com três filhos ainda muito jovens para criar e sem recursos financeiros avantajados para usufruir da bonança da vida, encontra-se em verdadeira dificuldade.

Na região de Hampshire, em uma casa paroquial simples sob a proteção de terras de um importante proprietário, morava a família do reverendo George Stanhope. Após casar-se com sua querida Edith, os dois mudaram-se para a aconchegante residência, prontamente cedida pela família do importantíssimo Richard Blackall. Além do trabalho religioso, com seus admirados sermões aos Domingos, o Sr. Stanhope, a fim de suplementar a renda de seu singelo lar, oferecia aulas a jovens que tinham interesse em ampliar seus conhecimentos, especialmente os filosóficos e antropológicos. Infelizmente, eram poucos os rapazes que possuíam interesse em garantir tamanhas informações ricas de um senhor culto e bem instruído como o Sr. Stanhope o era. Entretanto, quando os alunos surgiam, eram uma bênção nos ganhos familiares.

Com o tempo, o lar foi ganhando seus pequenos habitantes. Primeiro, nasceu Thomas, um menino de semblante sério e comportamento rígido. Um ano depois, Arthur, um garotinho atrapalhado de grande coração indulgente. Quando os Stanhope acreditavam que Deus não os presenteariam mais com uma cria, seis anos após o nascimento de Arthur, Edith concebera a menininha da casa, batizando-a de Ophelia.

A residência dos Stanhope estruturara-se com alegria e amor. Mesmo diante das dificuldades financeiras, nada abalava o bom ânimo daquela família devota a Deus. Contudo, a felicidade dera espaço à tristeza. Após contrair uma doença desconhecida aos médicos locais, Edith não resistiu à enfermidade, deixando marido e filhos pequenos, com a caçula prestes a completar seu quinto ano de vida.

O Sr. Stanhope, completamente abalado com a perda da esposa, desesperara-se com a prematura partida de sua amada Edith. Não compreendia os motivos pelos quais sua esposa tivera que falecer ainda tão jovem. Todavia, esforçando-se para manter seu lar e cuidar de seus três filhos, o reverendo George, passado o período de luto, reergueu-se e voltou a sua velha rotina, permitindo que a cicatriz continuasse em seu coração, mas que não atrapalhasse sua jornada.

Graças ao Sr. Blackall, o Sr. Stanhope teve apoio no momento difícil que enfrentava. Na verdade, o reverendo possuía uma personalidade muito dócil e amável, incapaz de julgar qualquer pessoa. Ele enxergava generosidade nos atos do Sr. Blackall quando este apenas lhe desejara os pêsames; embora ditos que sim, pouco pareceram sinceros. A única ajuda que o proprietário de Southfield Park dispusera-se fora mandar, através de uma criada, uma cesta de frutas com um bilhete à casa dos Stanhope. O bilhete, de conteúdo pouco tinha; de sentimentos, nada.

O Sr. Blackall era um homem abastado, dono de uma vasta extensão de terras cujo nome fora batizada de Southfield Park pelos antepassados. Richard Blackall era casado com uma dama de nome Fanny, uma mulher fútil e de inteligência limitada. O casal concebera dois filhos: Frederick e August. Embora gêmeos, pouca era a semelhança entre os meninos. Ambos tinham os cabelos negros como a do pai, mas os traços e a coloração dos olhos eram distintas. Além disso, Frederick, o gêmeo que nascera primeiro, era alguns centímetros mais alto do que August, outro aspecto físico que os diferenciavam. Quanto à personalidade, os dois tinham um jeito parecido, embora August mostrava-se mais inclinado a seguir os passos do pai. Frederick, por sua vez, nada tinha em comum com seus familiares mais próximos. O garoto era gentil, educado para com aqueles que seu pai afirmava serem inferiores; possuía um caráter alegre e divertido. August, por outro lado, comportava-se com mais seriedade.

Quando os gêmeos completaram seus doze anos de idade, o Sr. Blackall achou interessante a ideia de seus filhos serem instruídos pelo reverendo George Stanhope.

— Afinal — explicou ele à esposa. —, o Sr. Stanhope é um homem de inteligência notável. Os filhos dos Collins tiveram-no como tutor, e veja os homens que se tornaram! Até o mais exigente erudito teria prazer em dialogar com aqueles jovens.

— De fato, para os homens, ter conhecimento, seja ele científico, filosófico ou literário, tem-se seu valor — concordou a Sra. Blackall, em tom monótono. — À uma dama, isso nada tem a favorecer. Qual o motivo de uma moça saber leis e teorias; pensamentos e teses? Por que uma dama interessar-se-ia pela literatura além dos romances? — Com seu cãozinho nos braços, a mulher acariciou o animal inquieto, cujo propósito era desvencilhar-se das carícias excessivas de sua dona. — Para os nossos meninos, creio que isso tenha alguma vantagem. Ser um cavalheiro bem dotado de inteligência e conhecimento é algo realmente notável. As moças, indubitavelmente, sentir-se-ão atraídas, não apenas pelas figuras agraciadas dos nossos filhos — pois com certeza herdaram a beleza dos homens da minha família —, mas, também, verão o quão nossos filhos são constituídos de grande conteúdo intelectual. Serão homens honrados, querido Richard! Frederick e August serão os homens mais cobiçados e invejados de todo o condado!

— Quanto falatório excessivo, querida Fanny! — O Sr. Blackall impacientava-se ao conversar com sua esposa, porquanto nada de útil gerava do diálogo maçante que ela lhe oferecia. — Entretanto, alegro-me por termos opiniões compatíveis quanto aos estudos dos garotos. Amanhã mesmo irei fazer uma visita ao Sr. Stanhope e darei a boa notícia de que terá dois novos alunos. Estarei o ajudando, na verdade. Há tempos o sujeito não leciona, e sei muito bem que o rendimento extra que irei proporcionar-lhe será mais do que bem-vindo. — Fez uma expressão forçada de compaixão. — Sei que passam por dificuldades, então serei o salvador daquela família. Assim, ambos sairemos ganhando com a troca de favores... Se bem que, a mim, ele nada fará, pois estarei pagando pelos seus serviços. Desta forma, apenas ele será o favorecido.

— Não consigo imaginar como alguém sobrevive em uma casa tão pequena — sussurrou a Sra. Blackall, apertando seu cãozinho. — E ele tem uma menina... Ophelia, não é? Pobrezinha! Quando crescer, não poderá comprar os vestidos, as fitas e os chapéus que desejar. Não consigo imaginar tamanho sacrilégio exigido à uma dama! Não acha isso um absurdo, meu querido?

— Creio, querida, que Ophelia pouco se importará com a falta de vestidos e afins. Acredito que a ausência de luxo a impede de apetecer-se de algo que ela não está habituada a ter e que tem ciência de que nunca conquistará. Pessoas menos afortunadas, querida Fanny, acostumam-se a viver sem grandes esplendores.

— De fato, não consigo imaginar!

Após a conversa, ficou concordado que na manhã seguinte o Sr. Blackall faria uma visita ao reverendo. Pretendia ir cavalgando, assim teria o prazer de apreciar sua propriedade. A visita ser-lhe-ia proveitosa, visto que há tempos não via a casa paroquial, arquitetura rústica de seu pertence. Seria benéfico averiguar os cuidados que o Sr. Stanhope tinha para com a residência, deixando o Sr. Blackall ciente do proveito que se fazia de uma de suas propriedades. Não seria nada conveniente saber que a casa estava sendo habitada por hóspedes desordeiros e sem respeito algum ao local. Seria, decerto, terrível fazer tal descoberta.

O Sr. Richard Blackall deixaria o julgamento para o dia posterior. Por ora, contentava-se em saber que havia tido uma boa ideia e que beneficiaria alguém como o reverendo Stanhope.

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