Era inverno, e a delicada neve batia no rosto de Ophelia. A dama, já completados os vinte e cinco anos, regressava da residência da Sra. Smith, cuja filha mais velha havia saído de casa para desposar-se de um sujeito esquisito. Para a pobre Sra. Smith era um alívio por ter uma boca a menos para alimentar; para a moça, um futuro provavelmente não muito diferente do de sua mãe.
A vida, ao modificar-se, acarretava em alterações duvidosas, e dava a impressão de que tudo à volta de Ophelia metamorfoseava-se, exceto ela. Todos construíam suas respectivas histórias, moldando-as de acordo com os acontecimentos. Quanto à Srta. Stanhope, tinha a atormentada percepção de que sua vida seria resumida ao ciclo vicioso, poupando-lhe da parte do casamento.
— Nascer, crescer, morrer — sussurrou ela ao nada.
Caminhando distraidamente, recordou-se de Frederick. Por pressão do Sr. Blackall, encontrava-se noivo da Srta. Agatha Churchill. Embora o amigo de Ophelia não antipatizasse com Agatha, também não podia dizer que a amava; mas, por questões de negócios, o pai insistia em ter esse compromisso oficializado. Para fazer as vontades do Sr. Blackall, Frederick cedera à persistência, diante de um acordo em que ele não deveria mais nada ao patriarca.
— Não serei feliz, Ophelia — dissera ele, quando revelou o noivado à amiga. — O pior é que Agatha também não. Não serei um marido à altura, e temo depreciar a pobre moça que nada tem a ver com os meus problemas. Entende, Ophelia? Não é só uma vida em jogo; são duas, sendo esta a de uma mulher, que já possui tantas limitações.
Aquele triste presságio de Frederick ecoava na mente de Ophelia, levando-a a crer na veracidade daquelas palavras. A Srta. Churchill era uma moça ingênua e reservada; parecia uma pequena pomba assustada, principalmente perante seu futuro casamento. Porém, como uma moça recatada, assentia às ordens do pai, que, assim como o Sr. Blackall, ambicionava a união. As duas famílias eram ricas, mas os Churchill não tinham posses dos mesmos bens que os Blackall. Entretanto, o pai dos gêmeos preferia investir naquela junção, porquanto os negócios do futuro sogro de Frederick pareciam prosperar. Para o Sr. Blackall, quanto mais, melhor!
Ophelia, enfim, chegara à sua casa após a longa caminhada. Sacudiu a neve das roubas, retirou a capa de proteção, as luvas e o chapéu. Depois, subiu as escadas e bateu à porta semi-aberta. No dormitório, descansava sobre a cama o corpo cansado do Sr. Stanhope.
— Boa dia, papai — anunciou-se, adentrando o ambiente. — Sente-se melhor esta manhã?
— O mesmo dos últimos meses — sorriu triste o envelhecido reverendo. — Apenas contando os dias para encontrar-me com o Salvador.
— O senhor nunca foi de pessimismos — repreendeu Ophelia, arrumando o travesseiro nas costas do velho Sr. Stanhope.
— Não é pessimismo, minha querida. Estou velho e inválido; é um fato de que meu relógio tiquetaqueia rápido. A única coisa que me receia de partir é deixá-la sozinha, Ophelia. Como temo por sua solidão, minha menina.
Segurando as mãos frias sobre as delicadas da moça, o reverendo George comoveu-se. Ophelia controlava-se para não preocupar ainda mais o homem frágil, por quem seu carinho sempre seria grandioso.
— Não se preocupe comigo, papai — tranquilizou-o, transmitindo uma calmaria que não possuía. — O senhor ensinou-me bastante a ser forte. Além disso, tenho Thomas, Emma e o pequeno George por perto.
— Espero que sua relação com Thomas melhore.
— Somos adultos; tenho certeza de que seremos civilizados.
— Eu a amo tanto, minha Ophelia. Gostaria de tê-la poupado de tantas coisas e ter-lhe proporcionado o desfrute de mais riquezas.
— O senhor dera-me todas as riquezas maravilhosas que o mundo é capaz de oferecer — garantiu a moça, candidamente. — Agora, por favor, basta dessa conversa em tom de despedida! O senhor ainda viverá mais; irá ver esta lagarta transformar-se em uma lindíssima borboleta.
— Já o é — suspirou o reverendo. — Só precisa encontrar alguém à altura dessa fúlgida borboleta.
Mais tarde, ao deixar o pai descansando em seu leito, Ophelia recepcionara Thomas, Emma e o serelepe George. Além de visitar o pai, Thomas trouxera consigo um amigo da Escócia, que, assim como ele, também trabalhava com a comunidade cristã.
O Sr. William MacBrayne aparentava ter a mesma idade de Thomas, porém tinha um ar mais jovial. Seu sotaque era charmoso aos ouvidos de Ophelia, a qual nunca tivera contato com estrangeiros. O sujeito não era belo, mas seus modos e sua espiritualidade faziam-no propensos a sê-lo. Seu caminhar era pomposo sem a pretensão de o ser; sua conversa desprovia-se de arrogância e enriqueciam-se de qualidades. O mais fascinante à Ophelia fora descobrir que o novo conhecido morara por cinco anos nas Américas, proporcionando a todos maravilhosas histórias sobre o lugar.
Em um momento da visita, Thomas fora conversar um pouco com o pai, no dormitório do encamado; Emma ausentara-se para preparar algo à criança comer; Ophelia, então, viu-se sozinha a fazer sala para o visitante. Já familiarizados, nenhum constrangimento surgiu de ambos. Na verdade, pareciam conhecer-se há anos, tamanha facilidade na comunicação.
— O senhor é realmente um aventureiro — riu Ophelia. — Invejo-o pelas viagens e pelos lugares visitados.
— Talvez um dia a senhorita também visitará o Novo Mundo.
— Não tenho tantas esperanças — disse, mas sem ressentimento. — O único a desfrutar dessas aventuras é meu irmão, Arthur. Ele, assim como o senhor, também já visitara as Américas.
— Seu irmão contou-me sobre Arthur.
— Pela sua expressão, não foram coisas boas.
— Oh, não, não é isso — corrigiu-se rapidamente. — Apenas sei que faz parte da Marinha Britânica... E Thomas teme pela segurança de Arthur.
— Não é bem a segurança que Thomas preocupa-se — murmurou Ophelia.
— E quanto à senhorita? — O Sr. William MacBrayne mirou Ophelia, admirado. — A senhorita parece-me uma dama muito instruída e curiosa em aprender. Conte-me mais sobre você, Srta. Stanhope.
— Ora, depois de tantas histórias emocionantes, o senhor entediar-se-á com a minha vida campestre corriqueira. Nada faço de excepcional, Sr. MacBrayne; apenas limito-me à minha condição feminina.
— Que frase deprimente, Srta. Stanhope — brincou o rapaz. — Tenho certeza que a senhorita tem qualidades que ainda não descobriu. Quiçá, já as descobriu, mas não quer compartilhar comigo por motivos de não serem da minha conta.
Ophelia nunca tinha conhecido alguém que falasse daquele jeito, repleto de pilhérias que pareciam verdades. Demorou para compreender a brincadeira, rindo junto ao Sr. MacBrayne.
— Gosto do seu senso de humor, Srta. Stanhope. São poucas as mulheres que o tem.
— O senhor deve ter conhecido muitas damas em suas viagens — provocou Ophelia.
— De fato, as conheci — refletiu William. — E, a maioria, muito sérias. Mesmo assim, gosto de dizer que conheci várias personalidades, femininas e masculinas; acredito ser sempre agradável e inspirador ter experiências alheias ao nosso habitual.
— Certamente.
Emma retornara com George protegido em seus braços. Após comer incontrolavelmente, o menino exaustou-se e adormeceu. Ophelia pegou o pequeno e embalou-o, cantarolando uma música de ninar que costumava escutar quando pequena. O Sr. MacBrayne encantou-se pela bela voz de Ophelia, mas, também, pela figura graciosa da moça. Além de achá-la charmosa e cativante, notara nela uma personalidade afável e, ao mesmo tempo, determinada. Emma, ao mirá-lo, sorriu discretamente.
— Ophelia é uma ótima moça, não achou, Sr. MacBrayne? — sussurrou-lhe a esposa de Thomas.
— Um primor — respondeu, sinceramente.
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Casamento Branco
Historical Fiction[VENCEDORA DO WATTYS2020 | CATEGORIA FICÇÃO HISTÓRICA] Frederick e August Blackall são irmãos gêmeos não-idênticos. Aos doze anos, iniciam aulas particulares com o reverendo George Stanhope, um homem viúvo com três filhos: Thomas, Arthur e a caçula...