Capítulo XXIX

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— Titia fez sua passagem.

Sem muita sensibilidade, fora assim que Georgiana Young anunciara à Ophelia, certa manhã, a morte da Sra. Margot Young.

— E eu achando que a velha iria enterrar a todos nós.

— Por favor, Georgiana, seja mais delicada — recriminou Ophelia. — Sabemos da personalidade complicada da Sra. Young, mas ela não está mais entre nós para poder defender-se. Que descanse em paz.

— Ela não virou Santa depois de morta, Ophelia — riu Georgiana, recebendo outra admoestação de Ophelia. — Não me olhe assim, sabe que é verdade. No entanto, uma coisa que titia fez deixou-me bastante surpresa, e, por que não dizer, devidamente agradada pela nobre atitude. Sabe o que a diabinha aprontou?

— O quê? — perguntou a outra dama, repreendendo a amiga pelo palavreado.

— A velha modificou seu testamento nos últimos suspiros de vida.

— Não deixou nada a você?

— Nadinha — gargalhou a divertida Georgiana. — Tampouco para qualquer Young, como havia prometido.

— E a quem pertence a herança?

— À Srta. Theodora Campbell, sua governanta e acompanhante!

— Céus, isso é esplêndido! — comemorou Ophelia, sinceramente. — Acho justo a herança pertencer a quem dedicou sua vida à Sra. Margot.

— Também achei — concordou Georgiana, feliz. — Mas o restante dos Young não pensam o mesmo. Precisava ver como meu pai avermelhou-se de ira por não ter recebido nada da velha. Mamãe e eu o repreendemos pela explosão de emoções; eu falei que ele deveria envergonhar-se por estar se comportando como um Blackall.

— Você disse isso a seu pai?

— Disse, e agora não quer mais falar comigo — desdenhou Georgiana. — Está de birra. O pior que outros Young tiveram a mesmíssima reação. Dois velhos tios iraram-se tanto, que quase perderam o rumo de casa; algumas tias estavam prestes a desmaiar; primos revoltosos por falta de dinheiro — creio que um está endividado em jogos. Uma lástima, querida Ophelia! Uma verdadeira ópera na qual nunca havia me divertido tanto!

— Você não ficou magoada com a sua tia?

— Ophelia, sejamos sinceras: eu pouco me importava com tia Margot, e a recíproca era verdadeira. Outro ponto: sou rica! Papai comportou-se como um mesquinho por querer ainda mais; e nem era tanto assim, pois tinha que dividir com a família toda. Por isso achei a atitude dele vergonhosa. Eu, Ophelia, sinceramente não queria partilhar de nenhum centavo daquela velha orgulhosa e azeda. Acho que o dinheiro dela até viria amaldiçoado.

— Credo, Georgiana!

— É verdade, querida — deu de ombros. — A velha era ruim; e acho que estou caminhando para ser igual a ela. Oh, como detestava quando dizia que eu era igual a ela! Não dá para fugir do sangue.

— E quanto à Theodora? — quis saber a moça. — O que achou de tudo isso?

— Pobrezinha, parecia que iria desmaiar de emoções; acreditava que titia a odiava, e veja só! Houve um momento terrível em que precisei intervir por ela, pois os familiares acusavam-na de manipulação. Tio Charles até sugeriu indiscretamente assassinato por parte da acompanhante de titia. A coitada ficou horrorizada, e foi-se aos prantos pelas acusações. Eu falei para todos se calarem e contentarem-se com o desfecho da história. Acredito até ter mandado meu primo ao inferno...

— Fico muitíssimo feliz por Theodora, e espero que tudo tenha se resolvido entre os Young.

— Sim, eles aceitaram a derrota — embora ainda resmunguem bastante sobre. Theodora prometeu vender a residência de titia, e irá mudar-se para Bath. Lá, terá uma visão de como será sua vida, daqui para frente.

Ophelia Stanhope retornara para casa. Cuidara de seu pai, cuja saúde havia piorado novamente nas últimas semanas. Após ter-lhe contado as novidades, fazê-lo comer um caldo quente e deixá-lo repousar, como havia prescrevido o médico, Ophelia foi ao piano para tocar uma suave melodia, pois sabia que o Sr. George agradar-se-ia de dormitar ao belo som da canção.

Enquanto tocava, a mente de Ophelia sonhava com o que ela sabia ser errado. Havia se imaginado a grande e única herdeira da Sra. Margot Young. No testamente, a velha deixaria tudo à filha do reverendo, pela gentileza e bondade em seus últimos anos de vida. Surpresa, Ophelia receberia as ofensas dos Young — assim como fora com Theodora. Contudo, sua amiga e salvadora, Georgiana, a protegeria e diria estar sinceramente feliz.

— Ninguém merece mais do que você, querida — afirmaria Georgiana.

Assim, Ophelia seria uma mulher rica. Proporcionaria ao pai as mordomias que ele merecia; garantiria ao sobrinho um futuro apropriado; daria a Thomas e a Emma uma morada melhor e mais aconchegante; ajudaria Arthur em suas aventuras. Quanto à ela, poderia seguir os passos de Georgiana, e não mais se preocupar com casamentos. Como dizia a Srta. Young: ser solteira e rica é muito diferente de ser solteira e pobre. O casamento só ocorreria caso assim Ophelia encontrasse seu verdadeiro amor. Caso contrário, poderia continuar suas investidas em uma vida de solteira, mas não sozinha, porque poderia contar com amigos que a amavam de verdade.

Despertando de sua fantasia, Ophelia lamentou-se por pensamentos tão miseráveis e medíocres às custas da morte de uma senhora que tivera muitas riquezas, mas uma vida repleta de infelicidades. Objurgou-se por pensar em dinheiro sem o merecê-lo; detestou-se por ambições errôneas.

Ao parar de tocar o piano, Ophelia foi à prateleira de livros e pegou um exemplar de poesias. Lia, mas não compreendia o contexto; sua cabeça ainda divagava em perspectivas não alcançadas. Como seria ser rica? Parecia muito fácil: nada de preocupações, nada de escassez, nada de preconceitos. Então, refletiu sobre o amor do rico: seria sincero? Caso ela, Ophelia Stanhope, fosse rica e se apaixonasse por um cavalheiro, e este juraria corresponder aos sentimentos, seriam os juramentos verídicos? Como confiaria em um amor quando o dinheiro parecia pesar mais nas decisões dos homens?

E quanto à Ophelia pobre? O que seria dela?

Até o momento, apenas um homem mostrou-se interessado em sua figura. A questão era: Ophelia corresponderia aos sentimentos do rapaz? Se não, teria a coragem de abandonar suas idealizações de um casamento por amor para trocá-lo por um satisfatório, financeira e socialmente? Talvez, a Ophelia do passado se decepcionaria, mas a Ophelia do presente, com seus vinte e cinco anos, não poderia manter a imaturidade de romantizar os acontecimentos da vida. Estava na hora, da Srta. Stanhope adulta, demonstrar-se mais racional e menos emocional. Caso contrário, poderia ter decepções muito maiores do que as de um casamento arranjado.

— Está na hora de encarar os fatos, Ophelia — disse a si mesma, apoiando o livro de poesias no queixo. — Seus planos não deram certo, então precisa pensar em um substituto. Você é adulta o bastante para saber que nem sempre as coisas saem como o planejado.

Por que para uns os planos eram mais difíceis de terem resultados mais vantajosos?

— Nem tudo sai como planejamos... — murmurou.

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