Capítulo XV

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A apresentação de uma moça à sociedade é destacar que ela metamorfoseou-se: da infância, segue sua jornada adulta. A nova fase é repleta de novidades, sejam elas boas ou ruins. É conhecer o mundo sobre um olhar mais maduro e experiente; é o confiar não confiando muito; é a responsabilidade aprimorando-se; é a estrada de caminhos incertos e de caminhadas longas. Para a civilização britânica, a jovem que está prestes a debutar é uma porta aberta aos cortejos. Obviamente, o casamento é a segunda fase do processo, mas este deve aguardar um pouco mais para ocorrer, pois há uma preferência pelos casamentos de donzelas menos infantis, e, ao mesmo tempo, não muito amadurecidas.

Georgiana Young, lindamente trajada em seu vestido branco, encontrava-se do meio do salão, dançando com o Sr. Phillip Collins — rapaz este que um dia fora aluno do reverendo George. O baile seguia sua iluminada formação, com músicos alegres, velhos jogando cartas, senhoras fuxicando da vida alheia, danças coreografadas e comidas e bebidas abundantes. A jovem dama mostrava-se ao mundo e sorria divertidamente. Pela primeira vez, Georgiana pôde desfrutar de momentos que não consistiam em manter-se trancafiada sobre a proteção de Gardenfield Park. Tudo parecia perfeito aos olhos de alguém que tivera tudo restringido. Dali em diante, Georgiana Young sentiria os ares da liberdade.

Em outro extremo da região de Hampshire, Ophelia Stanhope havia aprendido um novo talento. Quando tudo parecia triste, uma nova e inusitada tarefa surgira para dissipar pensamentos ruins. Ophelia dedilhava o velho piano, que um dia pertencera aos Blackall. O instrumento encontrava-se empoeirado no porão da casa; suas teclas apresentavam deficiências no som. Contudo, para ter a mente ocupada, Ophelia pôs-se a trabalhar no que um dia fora um belo objeto, e conseguiu arrumar — conforme suas habilidades permitiram — o piano para ter como passatempo.

O Sr. Stanhope, ao escutá-la tocando, pedira a Thomas para ajudá-lo a carregar o instrumento até a sala, colocando-o em um canto próximo à janela. Ophelia agradeceu a gentileza dos familiares, mesmo sabendo que Thomas era contra o que ele acreditava que seria uma perturbação do silêncio. Para tentar modificar a visão do irmão, a moça prontificou-se a tocar hinos religiosos. O plano havia sido bem sucedido, e logo o jovem reverendo não mais reclamou da nova decoração da sala.

Ophelia já tivera algumas aulas de piano com os gêmeos, mas nada muito sofisticado ou profissional. Mesmo assim, o breve ensinamento iniciara o processo de desenvolvimento musicista. Como entendia as partituras, Ophelia precisava apenas aprimorar os movimentos rápidos dos dedos para concretizar seu projeto.

— Essa é uma bela música, querida — envolveu-se o Sr. Stanhope, apreciando o som enquanto lia um de seus livros. — Percebo que está a tocar com mais rapidez.

— Também percebi que estou um pouco mais avançada — sorriu a moça.

O reverendo George ficou a observar sua filha a tocar o piano. De semblante sério, a moça concentrava-se em sua tarefa. O homem pensou no quanto Ophelia ainda se sentia ressentida pelo ocorrido com as libras roubadas. Passaram-se alguns meses desde o acontecimento fatídico, algo que obrigara Ophelia a tentar desvencilhar-se o quanto podia do assunto.

Ao fitar sua menina, o Sr. Stanhope notara que não podia mais se referir a ela dessa maneira. Ophelia era uma mulher, ainda não apresentada adequadamente. O reverendo entristecia-se por não ter condições de debutar sua moça, e temia que Ophelia estivesse escondendo seus sentimentos mais sombrios em relação aquilo.

Quando tudo fora descoberto, Frederick e August dispuseram-se a ajudar. Prometeram pagar o vestido que se encontrava quase pronto pelas mãos da costureira. No entanto, a orgulhosa Ophelia Stanhope não admitiria que seus amigos fizessem tal ação benevolente para com ela; não sentiria confortável em aceitar algo que ela tinha tanta certeza de que poderia conquistar, mesmo que demorasse anos. Até mesmo os Young prontificaram a ajudar a nova amiga de Georgiana, e, mais uma vez, Ophelia recusara a gentileza. Sabia que todos os amigos estavam sendo muito amáveis em querer presenteá-la com os preparativos do baile, mas não podia aceitar.

Além do orgulho, Ophelia tinha em mente a figura da Sra. Fanny Blackall a ridicularizando por ser pobre demais e ter que pedir auxílio de amigos ricos. Seria muitíssimo humilhante conviver com o escárnio e os comentários maldosos da mãe dos gêmeos. Desta forma, conformou-se que o seu baile aconteceria quando tivesse que acontecer.

— E se nunca chegar a acontecer? — questionou-a August, quando a proposta fora recusada.

— Então que assim seja — respondeu Ophelia, friamente. — Nunca serei apresentada; consequentemente, nunca serei cortejada.

Não era uma ideia reconfortante, mas era uma possível realidade que talvez devesse se apegar.

Preocupado, o reverendo George deixou seu livro de lado e chegou mais próximo ao piano a fim de assistir ao espetáculo de perto. Ophelia sorriu-lhe e esforçou-se para ter um desempenho impecável. Seus dedos deslizavam pelas teclas, envolvendo-a em um frenesi absoluto. Permitiu-se fechar os olhos e contemplar a música; absorveu-a em sua alma e preencheu-a em seu coração. Levemente, seu corpo balançava conforme a melodia; discretamente, sorria para a mágica espontaneidade da canção. Por fim, rendeu-se ao som e cantou um hino religioso cuja mensagem falava sobre sacrifícios e redenção.

Os olhos do Sr. Stanhope encheram-se de comoção; seu coração transbordava encantos; sua memória restituía momentos dantes realizados. Na figura de sua Ophelia, o reverendo George enxergou sua Edith. Mãe e filha tinham o mesmo talento musical, e as vozes angelicais eram idênticas. Extremamente nostálgico, o pároco foi-se às lágrimas, contendo-as delicadamente, na vã intenção de Ophelia não as perceber. Todavia, assim que voltara a abrir os olhos, a jovem cessou sua música para encarar o pai.

— O deixei triste? — perguntou, perturbada.

— Oh, querida, você nunca me deixa triste — respondeu sinceramente o Sr. Stanhope, enxugando as lágrimas de vez. — Apenas emocionei-me com sua arte.

— Acha mesmo que sou uma artista?

— Só uma artista de verdade despertaria sentimentos assim.

Feliz com a resposta, Ophelia ofereceu uma música em homenagem ao pai. Thomas juntou-se aos dois e, para o seu agrado, a irmã continuava a tocar melodias cristãs. A família Stanhope uniu-se naquele vislumbre no qual as lembranças futuras encheriam de amor e aqueceriam de carinho; são ocasiões assim que expressam o quanto os pequenos detalhes fazem uma grande obra.

A vida é uma coleção de detalhes.

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