Ophelia retornara à sua aconchegante morada nitidamente perturbada pela conversa desagradável que fora obrigada a ter com a Sra. Fanny Blackall. A mãe dos gêmeos, além de insípida, podia ser extremamente viperina quando lhe convinha. Era fato que os pais de August e Frederick em nada se contentavam com a amizade entre os filhos abastados e a pobre caçula do humilde reverendo, mas nada era mais humilhante quando esta antipatia vinha à tona. Ophelia pensava o que era mais repugnante: o Sr. Blackall forçando uma simpatia e uma educação para com a moça enquanto os meninos zelavam uma amizade com ela; ou a honestidade dos sentimentos revelados pela Sra. Fanny. A mulher agradava-se por ser espinhosa e maldosa com Ophelia, atirando comparações bem específicas para mostrar qual era o lugar daquela jovenzinha que tinha por insolente. A Sra. Blackall detestava Ophelia, não apenas pela vida modesta, mas, principalmente, pela inteligência da menina. Nada poderia ser mais abominável à Fanny do que uma mulher cujo primor era seu intelecto e não sua elegância social.
— Mulher detestável! — resmungou Ophelia, enquanto entrava em sua casa e fechava a porta. — Pobre Stephan por tê-la como companhia.
— Sinto sua ira daqui, Ophelia.
A moça escutara uma voz familiar saída da pequena sala que servia de escritório e biblioteca. Logo, direcionou-se para desabafar com aquele por quem tinha mais confiança e amor.
— Ora, papai, a Sra. Blackall é a mais desprezível mulher que já conheci.
— Não diga isso de ninguém, minha filha — contestou o reverendo George, retirando os óculos que auxiliavam em sua leitura bíblica. — Lembre-se que, para Deus, todos são merecedores de amor.
— Eu não sou Deus.
— Isso é óbvio — riu o Sr. Stanhope. — Se fosse, seria mais tolerante e paciente com a Sra. Blackall e compreenderia os motivos que levam a ser o que ela é.
— Pois eu compreendo os motivos dela: não passa de uma esnobe. Só porque é rica, acha-se superior aos outros.
— Neste momento, eu enxergo o sentimento de superioridade em você. — O Sr. Stanhope fechou a Bíblia, permitindo-se ler mais tarde o versículo que tanto o cativava. — Por destacar as imperfeições da esposa do Sr. Blackall, você se coloca em um patamar acima do dela. Ao julgar os erros da Sra. Fanny, logo você tende a esconder os seus próprios defeitos. Lembre-se, Ophelia: ninguém é merecedor de arremessar a pedra.
— Eu o compreendo — suspirou. — Chamando-a de esnobe, torno-me uma esnobe também. Mas é que, papai, ela sempre me ataca com seus olhares e seus comentários preconceituosos. Hoje mesmo ela dissera-me sobre debutar, na próxima primavera. Como eu dissera que não tinha certeza sobre o que aconteceria no próximo ano, logo ela concluiu que sou pobre demais para um baile dessa estirpe. Ainda falou-me sobre casamento por negociação!
— O que há irritou mais: o fato dela destacar sua pobreza ou a menção de um casamento por dinheiro?
— Os dois — respondeu, mas pensou melhor. — No entanto, percebo que a ideia de um casamento só para garantir algum benefício material perturba-me muito mais. O senhor sabe que idealizo uma aliança por amor, não sabe?
— Perfeitamente.
— E sabe que também não poderei debutar?
— Disso, já não tenho tanta certeza — disse, de forma cômica.
— Ora, papai, não precisa apiedar-se de mim! Compreendo que não teríamos como bancar uma festa assim. Serei paciente, e, quando chegar minha vez — nem que seja aos trinta anos —, irei debutar. Também serei compreensiva caso isso nunca ocorra.
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Casamento Branco
Historical Fiction[VENCEDORA DO WATTYS2020 | CATEGORIA FICÇÃO HISTÓRICA] Frederick e August Blackall são irmãos gêmeos não-idênticos. Aos doze anos, iniciam aulas particulares com o reverendo George Stanhope, um homem viúvo com três filhos: Thomas, Arthur e a caçula...