A neve caía sobre o campo, polvilhando sua brancura na imensidão bucólica de Hampshire. Havia um único som do lado de fora: o vento a assoprar gelado, limitando a todos a frequentarem cada qual o seu recanto. Era véspera de Natal, celebração cristã do nascimento daquele que depositou tanto amor à humanidade, mas esta não o retribuiu da mesma forma; era o dia em que antecedia o aniversário daquele que deixara muitos ensinamentos, porém poucos os colocavam na prática. Nada mais mágico do que o Natal para mostrarmos o final de um ciclo e o início de outro; o dia da caridade e da gentileza, como se essas qualidades precisassem ser extintas no restante do ano. Era, deveras, um dia muito tranquilo e acolhedor para a família Stanhope, pois, além de ser uma comemoração cristã, era o dia em que todos procuravam ser gratos pelo o que havia acontecido durante o período que se encerrava.
No piano, Ophelia tocava uma canção natalina, tendo Thomas, Emma e o pai como coral. Os três cantavam sobre o nascimento do menino que viera a salvar o mundo e de como sua vida humilde era um exemplo de que pessoas mais simples também são capazes de grandes mudanças. Enquanto cantava, Ophelia lembrou-se sobre uma conversa de outrora, entre ela e os gêmeos; uma na qual os questionou sobre o significado da vida. Frederick havia formulado uma resposta formidável, cujo conteúdo consistia em mentes poderosas para fazer mudanças. Diante da lembrança da mocidade, Ophelia orgulhou-se por manter uma amizade tão rica, a qual lhe proporcionava ideias incríveis a serem exploradas. Frederick Blackall tinha como aptidão a escrita e sabia muito como desenvolvê-la a fim de impulsionar o pensar; de fato, o rapaz tinha a utilidade de transmitir conhecimentos em forma de narrativas. O que Ophelia mais lamentava era o amigo ter desistido da carreira e ocupar-se com serviços triviais ordenados pelo pai.
— Sinto tanto não se dedicar mais à escrita, Fred — disse a moça quando descobrira a notícia. — Sempre pensei que seria um escritor de sucesso.
— Às vezes, Ophelia, precisamos nos desviar de nossos caminhos para tentar outros — suspirou o cavalheiro. — No entanto, não vejo a escrita como um adeus; mas, sim, como um até breve.
— Exato, meu amigo! Pensemos de forma otimista.
No piano, a canção de Natal finalizou com a mensagem de que o pequeno bebê, de humildade excepcional, traria grandes bênçãos ao mundo, e sua história seria contada para todo o sempre. Ophelia pensou como seria maravilhoso eternizar-se pelo o que havia deixado de herança ao mundo. São poucos os favorecidos pela imortalidade plausível de boas ações.
— Bravo! — aplaudiu o reverendo George, contagiado pela emoção do dia. — Que bela noite passamos aqui! Eu agradeço a Deus por ter-me dado mais um ano para poder desfrutar desses sublimes momentos. Parecem pequenos, mas são enormes para uma alma romântica como a minha o é.
— Eu agradeço pela criança que chegará no próximo verão — sorriu Emma, acariciando seu ventre. — Não conheço esse bebê, mas já o amo.
— Eu também — concordou Thomas, mas sem a mesma emoção de sua esposa. — Se for um menino, deverá seguir a carreira religiosa.
— E se for uma menina? — incitou Ophelia.
— Terá a responsabilidade de ser uma dama devotada a Deus e recatada.
— Poupará a pobre dos conhecimentos científicos?
— Irei ensinar o que achar necessário à uma mulher, Ophelia — limitou-se Thomas.
— Oh, querido, adoraria ter uma mocinha tão inteligente quanto sua irmã.
— E ela será, Emma — prometeu o reverendo George. — Enquanto viver, irei ensinar meus netos, assim como fiz com os meus filhos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Casamento Branco
Historical Fiction[VENCEDORA DO WATTYS2020 | CATEGORIA FICÇÃO HISTÓRICA] Frederick e August Blackall são irmãos gêmeos não-idênticos. Aos doze anos, iniciam aulas particulares com o reverendo George Stanhope, um homem viúvo com três filhos: Thomas, Arthur e a caçula...