Capítulo XX

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Ophelia despertara de um sonho muito curioso. Fantasiara, inconscientemente, que uma dama, trajada de branco, fitava-a com ares de deboche. Ophelia acreditou ser uma noiva, cujo semblante ela desconhecia. A noiva não parecia feliz de verdade, mas fingia estar. De súbito, uma silhueta masculina surgia de lugar nenhum e, segurando a mão da moça de branco, beijava-a friamente. Fora um beijo demorado, e, a cada segundo, o vestido da noiva passava do branco à escuridão; e, em seus braços, semeava um fruto repugnado pelo misterioso homem. Por fim, o sujeito, assim como aparecera, fugira sem deixar vestígios. E a pobre noiva corrompia-se em uma profunda tristeza, vestindo-se da cor do luto e segurando o fruto indesejado. A tudo Ophelia assistia, mas em nenhum momento pronunciou-se. Parecia tão atordoada pela visão, que não conseguia reagir diante à cena. E, como se não bastasse, uma esguia senhora escarlate fora ao amparo da injustiçada noiva chorosa. Quando a mulher de vermelho mirou em direção à Ophelia, esta se assustou, pois parecia enxergar nos olhos da desconhecida as chamas do inferno; e, nos lábios, um sorriso cafajeste pintado de sangue.

A Srta. Stanhope despertou-se angustiada, com a terrível sensação de incômodo no coração. Massageando o peito, reformulou as imagens daquele atípico sonho, na tentativa de decifrá-lo. Quem seria a noiva infeliz? Seria um presságio de seu próprio futuro?

Logo a moça pôs-se em pé a fim de dar início às tarefas do dia. Arrumou-se rapidamente e desceu para preparar o desjejum do pai. Naqueles últimos meses, eram apenas os dois a morar na aconchegante casa paroquial. Parecia tão grande e tão vazia. Thomas e Emma firmaram compromisso e mudaram-se para um confortável lar, o qual pertencia às propriedades dos Collins. Desde então, Ophelia e o Sr. Stanhope tinham o irmão e o filho — respectivamente — como apenas um visitante.

— Bom dia, querida — saudou o reverendo George.

— Bom dia, papai. Em um minuto sirvo o chá ao senhor.

— Não tenha pressa — sorriu o bondoso homem. — Tenho em mim toda a paciência que me resta.

— Pois eu bem sei.

Ao servir o pai e, depois, sentar-se à mesa para acompanhá-lo no desjejum, o Sr. Stanhope observou a filha e notara seu aspecto ressabiado.

— Aconteceu alguma coisa, Ophelia? Parece distraída.

— Oh, não é nada grave — assegurou ela. — Apenas um terrível sonho a perturbar-me a mente. O senhor acredita que sonhos são mensagens dos anjos?

— Acredito sim.

— Mesmo os extremamente confusos?

— Podem parecer confusos aos nossos olhos, mas tem seu fundamento. Os sonhos são metáforas desenhadas pela mente para alertar-nos de algo.

— É o que eu temia — sussurrou Ophelia. — Se for assim, tive um sonho horroroso, com noivas em luto, homem sombrio e mulher diabólica. Arrepio-me só de lembrar!

— Muitas vezes, os sonhos que parecem ruins são apenas mensagens de acontecimentos triviais.

— Não me pareceu nada trivial — refletiu Ophelia, preocupada.

Mais tarde, o mesmo sonho fora relatado à Georgiana, e esta, descrente das coisas não vistas, tentara confortar a amiga que tudo não passava de uma bobagem da imaginação.

— Costumava ficar assim quando lia aqueles esdrúxulos romances góticos — segredou. — Lembro-me de ter perdido o sono por três noites ao ler sobre um no qual o marido escondia o corpo da esposa assassinada por ele mesmo, nas paredes de sua abadia. E, para piorar, o fantasma da mulher vinha toda noite perturbar o seu criminoso, até fazê-lo-lo pagar pelo o que fizera.

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