Nada poder ser mais inacreditável aos olhos de uma pessoa quando justamente esta já havia opinado, em algum momento de sua vida, a respeito de uma determinada situação que, em sua percepção, era deveras impossível de acontecer.
Quando Ophelia Stanhope acompanhara seu pai até à Igreja, nada tirara sua atenção após reparar nos modos estranhos de Thomas, o qual já se encontrava no local há duas horas, antes da chegada dos familiares. O irmão mais velho da moça tinha acordado cedo para realizar as tarefas paroquiais com devota precisão; assim, o reverendo George e a caçula seguiram mais tarde, para ajudá-lo nas ocupações. Mas nada poderia ser mais impensável — até mesmo para uma mente criativa — ver Thomas rindo na presença de alguém. Ophelia não se lembrava da última vez que assistira seu tão sisudo irmão mostrar os dentes com tamanha jovialidade; a garota reparou ainda mais: o primogênito tinha uma belíssima feição quando sorria.
O mais espantoso que o tal "desconhecido" era a Srta. Emma White, uma mocinha um pouco mais velha do que Ophelia, cujo interesse por Thomas já nascera em outras primaveras, mas jamais havia sido cultivado — ao menos, era o que todos pensavam.
Lá estava Thomas, rindo ridiculamente de algo que a Srta. Emma havia-lhe dito. Curiosa, Ophelia coçava os ouvidos para tentar escutar aquela incomum conversa. Assim que percebera a presença do pai e da irmã, logo o rapaz pôs-se sério, levando Ophelia ao alívio, pois começava a cogitar a hipótese de ser outro sujeito, muito parecido com seu consanguíneo.
— O mais espantoso — relatou Ophelia, mais tarde, aos gêmeos ouvintes. —, é que Thomas parecia muito confortável diante da Srta. Emma White. E, há poucos dias, tinha dito a papai que eu não poderia crer na imagem de meu irmão a flertar com uma dama. E lá estava o danadinho com seu ar galanteador!
— A Srta. White é muito bonita — comentou August. — O único problema são as sardas.
— Eu acho as sardas um primor.
— Eu não conheço muito bem a Srta. White, mas sei que, assim como o seu irmão, ela é extremamente religiosa — observou Frederick. — Na verdade, não espanta a mim os dois unirem-se, futuramente.
— Eu também não a conheço o suficiente — refletiu Ophelia. — Porém, devo mudar isso.
— Para conhecer sua futura irmã? — brincou August.
— Sim, para conhecê-la, mas não pelos motivos que você está imaginando, August. Preciso conhecer a futura Sra. Stanhope, pois minha vida dependerá disso. Se meu irmão, um sujeito de caráter difícil, casar-se com uma igual, sabe-se lá Deus o que será de mim, quando meu querido pai não estiver mais por perto.
— Ora, não se precipite, Ophelia — Frederick tentou consolar a amiga. — Ainda não há certeza de nada.
— Justamente — rebateu a outra. — Se nada for oficializado, então ainda terei tempo de mudar a situação a meu favor. Sei que soa horrível, mas tenho que preocupar com o meu futuro. Se fosse Arthur, eu não estaria preocupada; mas Thomas e eu nada temos em comum. Para falar a verdade, temo que nossos laços afetivos sejam desfeitos de uma vez.
— Quanto drama! — August revirou os olhos. — Acalme-se, senhorita Drama. Como Fred falou: não se precipite.
— Para vocês é fácil julgar. Não sabem o que é ser mulher, ainda mais uma mulher pobre.
— Um bom casamento resolverá tudo isso, Ophelia.
— Não quero um casamento para resolver minha situação financeira, August — contestou. — Quero um casamento por amor.
— Amor não irá trazer o conforto que você precisa.
— Quanta futilidade, August — interveio Frederick em defesa de sua amiga.
— Futilidade ou não, meus caros, a verdade é que romantizar a pobreza é uma grande falha. O amor não supre as necessidades materiais; e, podem resmungar o quanto quiserem, mas a riqueza traz felicidade, conforto e um lar saudável.
Mais tarde, quando Ophelia viu-se apenas na companhia de Frederick, retornara ao assunto que insistia em preencher a sua mente.
— Fred, você acha que August está certo? O amor não é tão importante como a riqueza?
— Bem, para ser sincero, refleti sobre o que ele falou sobre a romantização da pobreza, e, deveras, é errado idealizar o que sabemos que traz tanto sofrimento.
— Não digo romantizar a pobreza!
— Mas, se você amar um rapaz pobre, e decidir tornar-se a esposa dele, terá uma vida repleta de dificuldades, Ophelia.
— Bem, isso eu sei — suspirou. — O que farei se isso acontecer? Sempre idealizei um casamento igual a de meus pais, e estaria disposta a continuar com a vida que levo. Apesar de pobre, não sou miserável. No entanto, fiquei cá a pensar se eu amar um homem de posição inferior à minha. Teria eu a coragem de abrir mão dos poucos luxos que tenho para viver igual a Sra. Smith, rodeada de filhos e de doenças?
— Por favor, tranquilize esse coração, Ophelia — sorriu Frederick. — Você tem mania de dar um passo maior do que as pernas. Deixe que a vida mostre os caminhos que você terá o livre arbítrio para escolher. E eu confio que suas escolhas serão certeiras, pois você é uma mulher inteligente. Saberá dosar a emoção com o racional.
— Sei que penso muito no futuro — concordou, envergonhada. — É que não gosto de surpresas, Fred, você bem o sabe.
Frederick Blackall sabia. A última vez que fizera uma surpresa a Ophelia, dando-lhe um presente de aniversário singelo, a moça ficara tremendamente decepcionada pelo ato do amigo. Queria que ele tivesse contato, ao menos, que seria presenteada. Sentia-se constrangida, quando não amedrontada.
— O futuro, com suas incertezas, causa-me calafrios. O que será de mim, Fred, quando meu pai partir?
— Por que está pensando tanto na morte de seu pai? — quis saber Frederick, intrigado. — É triste alimentar esses pensamentos mórbidos. A morte é um fato, mas não precisa ser um assunto recorrente.
— Quanto mais o tempo passa, mais aflita eu fico.
— O seu pai dispõe de boa saúde, Ophelia. O dia que ele partir, será quando você já estiver preparada para a vida — ao menos, o suficiente.
— Você é um bom amigo, Fred.
Ophelia depositou um longo e caloroso abraço em seu amigo, agradecida pela companhia carinhosa e afetuosa. Frederick, ao tê-la sob seus braços, aproveitou para inalar o delicioso aroma floral daquela moça formosa e gentil. Sentiu, em seu peito, o coração bater mais forte; e, em sua mente, a imagem de um sonho que não acreditava ser realizado.
— E quanto a você, Fred? — Ophelia olhou-o, ainda unidos. — Não pensa na sua vida daqui a alguns anos?
— Eu não, mas meu pai sim — desdenhou o rapaz. — Meu pai já planejou como será a vida de August e a minha.
— Até mesmo no amor?
— O amor, para o meu pai, não é importante, você sabe disso.
— Sim — lastimou a jovem. — Pelo visto, para o seu irmão também.
Frederick preferiu não dizer mais nada. Sempre que August era mencionado por Ophelia, sabia que era para o assunto que evitava. Assim, oferecendo o braço à amiga, caminharam para aproveitar os últimos dias da primavera.
As flores, aos poucos, escondiam-se para que o mundo pudesse recepcionar o novo ciclo.
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Casamento Branco
Historical Fiction[VENCEDORA DO WATTYS2020 | CATEGORIA FICÇÃO HISTÓRICA] Frederick e August Blackall são irmãos gêmeos não-idênticos. Aos doze anos, iniciam aulas particulares com o reverendo George Stanhope, um homem viúvo com três filhos: Thomas, Arthur e a caçula...