Capítulo XXXV

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Frederick e Ophelia resolveram visitar Thomas e Emma. Levaram consigo a pequena filha de Cassandra para brincar um pouco com George, Lydia e Jane; tanto Ophelia quanto Frederick acreditavam que era propício à menina ter mais contato com outras crianças a fim de desenvolver-se socialmente. Além disso, sair um pouco da sombria Southfield Park também era benéfico à pobre garotinha. A filha de August e Cassandra era uma menina calada e muito reservada; quando o pai se aproximava, temia-o como o próprio maligno. Por ter a mesma idade de George, os dois davam-se muito bem; Lydia e Jane eram menores, mas também participavam da diversão. Ver a pequena Ophelia rir espontaneamente e conversar mais com outros de sua idade, fazia com que a Ophelia mais velha sentisse uma plenitude no coração. Frederick também percebia a mudança da personalidade de sua querida sobrinha quando não estava sob o mesmo teto dos avôs impetuosos e do pai insensível.

Thomas e Emma recebiam o casal sempre com muita hospitalidade. A Sra. Stanhope era muito mais aprazível do que o marido, porém, o relacionamento de Ophelia e do irmão havia melhorado muito nos últimos anos. Por um lado, o amadurecimento de ambos; por outro, o laço consanguíneo fortalecido, principalmente com a morte do reverendo. Embora ainda discordassem em muitos aspectos — principalmente o que dizia respeito ao pessimismo de Thomas —, os filhos do falecido reverendo George mostravam-se mais amistosos para com o outro. Quanto às pregações de Thomas, aos poucos foram suavizadas graças aos conselhos sensatos de Emma, que instruía o marido a ser mais esperançoso em seus sermões. De fato, o casamento de Thomas e Emma era envolvido por um companheirismo admirável, no qual o respeito e a lealdade eram os principais ingredientes para o revigor do laço, após anos de união. Ophelia regozijava-se pelo primogênito; assim como o pai, acreditava que Thomas escolhera uma excelente mulher para ser-lhe a parceira da vida.

No jardim, as crianças brincavam ao seu modo infantil e fantasioso. Os adultos, conversavam sob a proteção de uma sombra, divagando sobre assuntos diversos. Em um momento, Ophelia e Frederick distanciaram-se do grupo a fim de caminharem depois de  uma excelente refeição. Prometendo cuidar das crianças, Emma e Thomas continuaram em seus respectivos lugares, apreciando a paisagem pitoresca e gentil.

— Eu gosto de visitar meu irmão quando podemos trazer Ophelia conosco — disse a dama, sorrindo ao marido amigo.

— A mim, também — retribuiu o sorriso. — Tenho compaixão por essa pequena. Tento ser-lhe mais presente para suprir a ausência paterna. Gostaria de ser-lhe um tio em que ela possa confiar e ter ciência do meu verdadeiro amor.

— E você é, Fred — garantiu Ophelia, envolvendo seu braço no do marido. — Veja como Ophelia é muito mais radiante quando está com você. Ela o chama de titio com muita admiração e respeito. Você foi e é um homem maravilhoso para a pequena; Cassandra é-lhe muito grata.

— Em nada Cassandra deve-me agradecimentos. Se tento agradar à Ophelia, é porque a amo de verdade. Aliás — olhou-a de maneira perspicaz. —, amo as duas Ophelias de minha vida.

— E as duas Ophelias o amam reciprocamente — garantiu ela, mas sem compreender o amor de Frederick para com ela. — Você, meu amado marido, é-me um grande homem! Ao contrário do seu irmão, que se tornou um ser extremamente diferente do que era antes.

— Sempre August...

Ao murmurar amargurado essas palavras, Frederick desvencilhou-se de Ophelia e pôs-se a encarar o horizonte.

— Desculpe-me se o chateei.

— É que, desde pequena, você tende a ter um favoritismo pelo meu irmão — revelou o cavalheiro. — August nunca mudou, Ophelia; você quem está o enxergando sem a visão romanesca. August sempre fora mesquinho e vaidoso; jamais se importou com alguém que não fosse com ele mesmo.

— Nunca o vi falar assim de seu irmão — espantou-se a moça. — Há quanto tempo guarda esse rancor?

— Não é rancor, apenas estou sendo sincero com algo que venho ocultando há anos. August é meu irmão gêmeo e o amo por sermos da mesma família; mas não irei poupá-lo de julgamentos, caso necessário. Reconheço suas qualidades, mas não mais irei esconder seus defeitos.

— Eu entendo... — assentiu Ophelia. — E quanto aos seus defeitos, Fred? Quais são?

— Muitos — riu ele, tristemente. — Porém, a covardia é o maior deles.

— Não o acho covarde. — Ophelia aproximou-se do marido e abraçou-o pelas costas. — Acho-o extremamente corajoso, principalmente quando enfrentou seu pai para casar-se comigo. Você sempre será meu herói, Fred. Salvou-me de uma vida triste.

— Sei que ainda não é feliz, querida Ophelia — lamentou o outro, beijando a mão da mulher. — Gostaria que nesse nosso contrato a felicidade fosse fácil de ser garantida a você. No entanto, sei o quão difícil está sendo lidar com esse casamento negociado; sei que esse não era seu plano para a vida, e frustra-se por tudo ter ocorrido de forma espantosamente alheia ao que queria. Gostaria de ser August, em uma versão sem os defeitos; sei que sempre o amou e sei que seria muito feliz, caso ele a tivesse proposto.

— Agora, senhor, quem diz para esquecer August sou eu — ralhou Ophelia, encarando Frederick frente à frente. — Eu não me arrependo de ter-me casado com você. Confesso que não era o meu plano, mas contento-me por estar casada com meu melhor amigo. A felicidade não se é, Fred; se está. Tenho constantemente dias felizes ao seu lado; sempre que conversamos, é-me uma alegria por nada ter mudado entre nós dois. Ainda somos amigos, apesar de tanto tempo. Podemos contar um com o outro. E August, este ficara no passado, eu já havia lhe garantido isso. Sim, eu nutri por muito tempo um sentimento verdadeiramente romanesco; mantive uma esperança parva de um dia ele corresponder a mim. Hoje, sinto o alívio de tudo ter acabado; seu irmão entristece-me por ter se transformado em um sujeito de caráter duvidoso. Decepciono-me por quem ele se transformou. E tenho certeza de que ele também se decepciona comigo; eu tenho meus defeitos e sei que, com a idade, eles se destacam mais do que as qualidades.

Pegando gentilmente as mãos de sua esposa, Frederick aplicou um beijo em cada uma.

— Eu queria tanto que você me amasse.

— Mas eu o amo...

— Não dessa forma — interrompeu-a. — Seu amor por mim é como você sente pelo seu irmão. Eu, por outro lado, sinto o que você sentiu a sua vida toda por August.

Espantada, Ophelia mirou o rosto envergonhado do marido.

— Não precisa dizer nada — disse, cabisbaixo. — Eu pretendia nunca revelar meus reais sentimentos para não constrangê-la, tampouco pressioná-la. No entanto, agora casados, quero que saiba que a amo devotamente e respeitarei cada decisão sua. Jamais a obrigarei a nada, Ophelia, e você entende do que estou a falar, não é?

Ela assentiu, encabulada. Ainda dormiam em dormitórios separados, na promessa de nunca consumarem o matrimônio. Praticamente, todas as noites Ophelia despedia-se dos Blackall e acompanhava Frederick ao leito dele. Quando tinham a certeza de que haviam despistado a todos, Ophelia retornava ao seu recanto. Em nenhum momento, tiveram intimidades.

— É uma promessa que a fiz e a cumprirei — jurou Frederick, honrosamente. — O que eu não desejo é decepcioná-la, Ophelia.

— Você jamais seria capaz de fazê-lo.

A dama alisou o rosto triste de seu esposo, enchendo-se de compaixão para com aquele romântico platônico. Em todos esses anos, Ophelia nunca desconfiara das intenções de Frederick para com ela. Já havia escutado comentários a respeito, porém não os levara a sério. Cega pelo amor obsessivo que sentia por August, nenhum outro rapaz importava. Contudo, naquele momento, encheu-se de júbilo por ter casado com um homem que a amava. Quem sabe, um dia ela poderia aprender a amá-lo do mesmo modo.

O casal retornara na companhia da família Stanhope. Lado a lado, marido e mulher mantinham a parceria de uma amizade verdadeira.

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