Prontamente, o Sr. Blackall realizara a visita à casa do Sr. Stanhope, embora achasse errôneo direcionar a residência como patrimônio do reverendo, afinal, este estava apenas como inquilino, cujo pagamento eram suas orações na Igreja da região. O Sr. Richard Blackall pensou o quão afortunado era o Sr. Stanhope por tê-lo conhecido. Sem ele, provavelmente estaria em uma paróquia sem grandes atrativos, vivendo uma vida muito mais miserável que possuía. O Sr. Blackall, sentindo-se generoso, deu-se conta do anjo que era na vida da família Stanhope; eles, indubitavelmente, deviam-lhe a vida. Satisfeito consigo mesmo e de sua potencial empatia para com o próximo, o sujeito, agraciado com a bênção divina, alegrou-se com seus pensamentos não tão pueris quanto ele imaginava.
Sobre o dorso de seu corcel preto, Richard Blackall cavalgou até a simples, mas muito bem aprimorada, casa paroquial. Orgulhou-se pelas propriedades que usufruía, não se decepcionando com os moradores. Pelo contrário, o Sr. Blackall reconheceu as melhorias que o reverendo George e sua família havia feito aos redores da casa: o jardim mantinha-se decorado e colorido; a pequena horta crescia abundante; as galinhas e os gansos passeavam elegantemente; a grama, alinhada e limpa, era um primor. Tudo em perfeita harmonia conforme a modéstia exigia.
Dentro da residência, o Sr. Stanhope educava a pequena Ophelia, instruindo-a a ler o livro que ele havia solicitado, além de executar a tarefa a fim de colocar seu conhecimento na prática. A menina, com apenas dez anos, mostrava-se muito mais ávida a aprender do que os irmãos mais velhos. Thomas e Arthur já eram dois rapazotes. O primeiro, quando atingisse idade suficiente, desejava seguir os passos religiosos do pai. O segundo, com sua personalidade mais aventureira, alistar-se-ia à marinha e realizaria o sonho de viajar pelo mundo.
Enquanto pai e filha revisavam a lição do dia, os rapazes dedicavam-se às tarefas que afloravam a juventude. Quase adultos, preferiam ir à cidade flertar com as jovens da idade deles. Na verdade, esta tarefa era mais típica de Arthur: por ser mais extrovertido, conseguia arrancar sorrisos das donzelas. Já Thomas, sempre ranzinza, não surtia grandes efeitos, embora sua aparência agradasse muito as moças. Os irmãos Stanhope, assim que os bigodes finalmente crescessem, seriam cavalheiros que seriam bem vistos pelo sexo oposto quanto à figura. Por outro lado, considerando a ausência de fortuna, não conquistariam facilmente as damas nobres, caso assim almejassem.
— Com licença, George.
Como o Sr. Blackall era o proprietário, o Sr. Stanhope não se importava — ao menos, não mais — com as inusitadas aparições do distinto senhor e de sua falta de decoro quanto a adentrar a residência que não cansava de assumir como sua. O único que não suportava tais invasões de privacidade era Arthur, cuja sinceridade na personalidade não temia falar exatamente aquilo que sua mente trabalhava. Internamente, o gentil pároco agradeceu pela ausência de seu rapaz determinado; evitava, ao máximo, conflitos com os Sr. Blackall, pois agradecia ao sujeito por ter protegido toda a família Stanhope em um lar tão aconchegante.
— Bom dia, Sr. Blackall — saudou George, costumeiramente atencioso. — Qual a honra de sua visita? Por favor, sente-se. Irei preparar um chá.
— Pois aceito a calorosa hospitalidade, meu caro.
O Sr. Stanhope ausentara-se rapidamente a fim de preparar a bebida quente à visita. Enquanto isso, Ophelia chateava-se por sua lição ter sido interrompida, justamente em uma parte deveras interessante do livro que lia, Odisseia: Telêmaco sai à procura do pai, Odisseu, e, junto com alguns companheiros, partem para Esparta. Cabia à menina Ophelia aguardar aquele simplório senhor voltar para sua majestosa residência e deixá-la finalizar sua emocionante leitura.
— Aqui, Sr. Blackall. — Voltou o Sr. Stanhope, entregando uma xícara ao outro sujeito.
— Agradeço, George.
Observando Ophelia, o Sr. Richard assoprou o chá e bebericou um pouco para apreciar o sabor. Viu aquela criaturinha esquisita o questionando com o olhar, mas nenhuma palavra direcionou à criança; de fato, o Sr. Blackall pouco jeito tinha com os seres pequenos, em especial, do sexo feminino.
— Noto que sua menina já está lendo arduamente — disse, por fim. — São muitos livros para uma menininha só.
— Orgulho-me de ter uma filha que possui grande apreço pelo estudo.
— Sim, claro... — assentiu, mas sem concordar de verdade. — Mas não deve estimular tanto sua filha a ter esses conhecimentos, não acha? Ela já está na idade de aprender as tarefas de uma moça.
— As tarefas de uma moça? — Pela primeira vez, Ophelia pronunciou-se.
— Sim, mocinha — espantou-se o Sr. Blackall com a intromissão infantil. — Meninas devem saber cuidar de um lar e aprender a ter dedicação ao futuro marido.
— Já estou aprendendo essas tarefas, mas também quero ser inteligente.
— Mulheres muito inteligentes não se casam, você sabia disso?
— Não sabia. — Ophelia fitou o pai, o qual tentava tranquilizá-la com o olhar. — Então, prefiro ser inteligente ao invés de casar. O que adianta ser estúpida quando há tanta coisa para aprender, não é mesmo, papai?
— Há muitas coisas para os homens aprenderem — intrometeu-se o Sr. Blackall, disposto a vencer aquele diálogo. — Às mulheres, bastam os ensinamentos domésticos.
— Ora, por favor, Sr. Blackall, não diga essas coisas à minha filha. Eu ensino Ophelia a conquistar intelecto para ser uma moça instruída e culta. Tenho orgulho do trabalho que fiz — e ainda faço — com os meus meninos; com Ophelia não seria diferente.
— Deveria ser, pois ela é uma menina — continuou o homem. — Mas não é da educação de Ophelia que vim tratar com o senhor. Aqui estou para outro propósito.
— E qual seria, senhor?
— Eu tenho ciência de sua eficiência na arte de lecionar. Assim sendo, gostaria de ter os meus gêmeos aos seus cuidados, George. Pago o suficiente para instruir os meus garotos a uma excelente educação.
— Será uma honra, Sr. Blackall — felicitou-se o Sr. Stanhope, agradecido por aquela renda tão almejada. — Prometo oferecer meus melhores ensinamentos aos meninos. Aliás, qual a idade de August e Frederick?
— Completaram doze anos.
— Excelente idade para serem educados.
— Perfeito, George! Então, estamos acordados? — quis saber o proprietário de Southfield Park. — Posso pedir a Frederick e a August estarem aqui depois do almoço, amanhã?
— Claro, senhor.
— Ótimo, George! — Selaram o contrato com um forte aperto de mãos. — Depois acertamos os detalhes do pagamento.
O Sr. Blackall despediu-se do reverendo e de sua caçula. Voltou a montar em seu cavalo e partiu à residência de Southfield Park.
— Foi ou não uma visita agradável, Ophelia?
— Não gosto do Sr. Blackall, tampouco da esposa dele.
— Oh, não diga isso, minha pequena — sorriu, discretamente. — O Sr. Blackall é um homem muito generoso conosco. Além disso, a partir de amanhã você terá dois novos amigos para brincar.
— Mas o senhor não irá ensiná-los a serem inteligentes?
— Farei o meu melhor — prometeu o Sr. Stanhope. — No entanto, acredito que será proveitoso aos meninos terem um momento de lazer e diversão, nos intervalos das aulas. E você, senhorita, estará encarregada de entretê-los.
Pensativa, Ophelia examinou a proposta do pai. Por fim, concordou, pois a ela não agradava desapontar o querido reverendo de Hampshire.
— Também farei o meu melhor.
O reverendo Stanhope não poderia ter esperado menos de sua amada menininha.
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Casamento Branco
Historical Fiction[VENCEDORA DO WATTYS2020 | CATEGORIA FICÇÃO HISTÓRICA] Frederick e August Blackall são irmãos gêmeos não-idênticos. Aos doze anos, iniciam aulas particulares com o reverendo George Stanhope, um homem viúvo com três filhos: Thomas, Arthur e a caçula...