onde tudo tem um começo

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Eu sou um desastre.

A maioria das pessoas comete erros, claro, mas já percebi que não sou como a maioria. Já cometi tantos erros que, se parasse para escrever cada um deles numa lista, iria ficar ocupado por duas longas horas. Me encolhi no canto do elevador, me limitando a olhar para o display digital no topo da porta de metal e ver que faltava apenas quatro - talvez três - andares para chegar ao térreo. Rezando mentalmente para ninguém acabar entrando sempre que o elevador parava.

Não fazia ideia de que horas eram ou se o dia ainda estava ensolarado quando cheguei no prédio da gravadora, um pouco mais cedo. Quando você fica numa sala de reuniões por mais de trinta minutos, sua noção de tempo acaba desaparecendo. Olhei para a case preta que guardava meu violão, cujo havia deixado encostada contra uma das paredes prateadas, deixando minhas mãos prontas para segurá-la caso acabasse caindo.

Vamos lá, ande logo! pensava, querendo sair dali o mais rápido possível, mas para mim o tempo parecia correr devagar. As costas doíam depois de suportar minha mochila apoiada sobre os ombros, e que estava consideravelmente pesada, e comecei a me repreender mentalmente por ter a enchido de coisas desnecessárias (como, por exemplo, um par de tênis, um bloco de notas e a última edição de Como eu era antes de você). Que, a propósito, não é um livro tão ruim como eu imaginava que seria.

Assim que as portas de metal se abriram, agarrei a alça da case com uma mão e puxei a mochila um pouco mais forte com a outra, saindo depressa da caixa de metal que me dava lapsos de claustrofobia. Passei quase que correndo pela recepção, vendo de relance uma das recepcionistas acenar para mim assim que empurrei a porta de vidro e saí. Estava cinza do lado de fora do prédio, nuvens preto ardósia cobriam o céu de Nova York como se fosse um lençol.

E então finalmente caiu a ficha. Por um instante me lembrei de tudo que aconteceu na reunião, de todos os olhares decepcionados que recebi quando admiti não ter nada para apresentar, nem uma ideiazinha sequer. Eu não tinha nada.

Vi cada um dos meus colegas da banda me olharem com aquele olhar de compreensão e darem seus sorrisos menos forçados, mas também estavam desapontados. Anthony, o baterista - e também meu melhor amigo - tentou falar comigo quando a reunião terminou, mas o ignorei enquanto freneticamente apertava o botão para o elevador.

-que merda...- murmurei para mim mesmo.

Peguei o celular de um dos bolsos da blusa (que por sinal era cheia de bottons com logos de bandas de rock, desenhos do Darth Vader, personagens de anime e um com a bandeira lgbt). Digitei a senha e verifiquei as horas, eram quase seis e quarentena. Ainda parado na calçada em frente à Stars Records, que era um nome meio estranho para uma gravadora, comecei a pensar no que fazer.

Senti um incômodo na região da barriga, sendo seguido por um ronco. E então percebi que não havia comido nada além do café da manhã, e não era bom pensar de barriga vazia.

Segurei a case com firmeza, me pondo a andar pelas longas avenidas novaiorquinas, decidido a não olhar para trás. Por precaução, cobri minha cabeça pelo capuz da blusa, temendo ser reconhecido por alguém, e por estar sentindo mais frio do que o comum. Mas ninguém me parou ou pediu um autógrafo ou foto, na verdade, acho que nem olharam para mim. Era como se eu fosse invisível. Como se, quando não estava com o restante da banda ou cercado de fotógrafos, eu não fosse ninguém além de uma pessoa sem importância.

E quem se importa, pensei, pelo menos não me enchem o saco. Bem, meu nome é Bright, mas por pensamentos como esse que ganhei o apelido de rabugento, limão azedo ou qualquer outra coisa que diga que sou irritantemente chato. E as vezes, sou mesmo. Posso facilmente listar cada coisa que me deixa irritado e, caso você não tenha percebido, adoro listas.

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