Meu sangue congelou até a última gota, enquanto meu cérebro procurava maneiras de fugir daquela situação. Nunca me passou pela cabeça que ela pudesse saber quem eu era, talvez eu tivesse até mesmo esquecido dessa probabilidade. Não estava preparado para ter meus planos estragados desse jeito mas, nessa vida, quem está?Emily não parecia brava ou irritada, apesar de todo esse drama parecer mais uma novela mexicana. Engoli seco, sentindo uma gota de suor frio escorrer pela testa. Enfiei as mãos nos bolsos do avental, sem nem conseguir olhar diretamente para ela sem ficar com vergonha de ter mentido. Simplesmente me sentia a pior pessoa do mundo naquele momento.
- ei, está tudo bem, ok?- ela disse bem suave, pondo a mão em meu ombro e dando dois tapinhas - não vou contar para ninguém, nem fazer chantagem com você. Não sou esse tipo de pessoa.
Respirei um pouco mais aliviado, mas nem de longe me sentia melhor por ter sido descoberto. Mas era tarde demais para fazer algo à respeito.
Tentei dar meu melhor sorriso, sem parecer que, por dentro, estava péssimo. Continuamos nossa tarefa de preparar as panquecas em silêncio, Vez ou outra ela fazia um comentário engraçado sobre como eu era desajeitado na cozinha, ou sobre alguma série que tinha visto recentemente, e até mesmo dizendo que gostava de se imaginar num programa de culinária sempre que cozinhava sozinha em casa (achei essa mania bem legal).
E eu, bem, contei tudo a ela. Ou pelo menos quase tudo. Contei sobre como as coisas eram na banda, como era difícil lidar com o bloqueio criativo, sobre a frustração de não se sentir bom o suficiente e como toda aquela maré de coisas ruins tinha me levado até Detroit.
Ela escutou todo meu desabafo pacientemente e sem me interromper nenhuma vez. Respeitou meu silêncio quando eu ficava calado de repente - me lembrando de todas aquelas coisas - e me dava um sorriso largo sempre que eu a encarava. Emily era uma boa ouvinte e, depois que terminei de falar, era como se um enorme peso tivesse sido tirado dos meus ombros. E era muito bom.
- deve ser bem chato passar por tudo isso - ela comentou, rapidamente jogando a massa da panqueca na frigideira quente.
- nem me fale - dei uma risada fraca.
- mas e o Win?- outra vez mencionou o nome dele e, mais uma vez, meu coração errou as batidas - Você vai contar para ele?
- ainda não sei, tenho medo dele me detestar por ter fingido ser outra pessoa e tê-lo enganado, sabe? - sussurrei, tirando as folhinhas dos morangos e os colocando numa vasilha cheia de água - eu só não quero que ele me odeie.
- não sei, viu? Acho meio difícil ele te odiar - Emily deu uma risadinha, terminando a primeira das panquecas e a pondo em um prato (estava com um cheiro delicioso).
Eu a fitei um pouco confuso, franzindo o cenho e tentando desvendar o que exatamente ela queria dizer com isso.
- nunca vi o Win desse jeito, tão animado e próximo de uma pessoa antes - ela apontou para mim - ele sempre foi meio desconfiado, e fica com a namorada na maior parte do tempo, quando eles dois não acabam brigando, é claro.
Fiquei um pouco irritado quando mencionou a Hana. Mas decidi não comentar nada.
- eles sempre estão discutindo, entende? Mas lá no fundo sei que Win ama muito ela - Emily continua, e percebo que ela também parece não gostar muito dessa tal de Hana.
- relacionamentos são complicados - respondo, apesar de eu não ter muita experiência com o amor (pelo menos não experiências muito boas).
- e muito! A última garota que fiquei acabou com minhas noites de sono, comeu todo meu estoque de miojo e ainda por cima me chifrou!- ela contou e caí na gargalhada.
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Desconstruindo Detroit
RomanceUma noite chuvosa, um táxi amarelo e uma mala com somente o essencial e seu violão. Era tudo isso que Bright tinha ao embarcar rumo para o lugar mais longe possível de suas aflições em Nova York e, principalmente, da sua banda. Detroit era como uma...