os alienígenas de Marte

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Senti o solavanco do ônibus, me fazendo acordar assustado e olhar ao redor, não lembrando muito bem onde estava por um momento. Sabe quando você acaba tirando um cochilo que, ao despertar, não sabe onde está, que dia é ou se viajou para uma outra dimensão enquanto dormia? Pois bem, é exatamente assim que estou agora.

Estava tudo escuro ao meu redor. Os poucos passageiros que ocupavam os bancos um pouco mais a frente, pelo que notei, também estavam dormindo, criando uma atmosfera que seria totalmente silenciosa se uma leve chuva não estivesse caindo do lado de fora do ônibus. O céu estava escuro e, se eu me curvasse o suficiente para mais perto da janela, conseguiria enxergar um ou talvez dois faróis bem distantes no meio da neblina da estrada.

Nova York estava bem longe agora e, com isso, esperava que todos os problemas e aflições também estivessem.

Peguei o celular e comecei a checar cada uma das notificações na tela, tentando me distrair. O brilho do aparelho fazia meus olhos doerem, conforme tentavam se acostumar com a claridade. Vasculhei o Instagram por alguns minutos, vendo as fotos antigas de um dos shows que fizemos em Houston, dois anos atrás. Me lembrava bem do hotel, dos ensaios e de como Ethan (o baixista) tinha ficado com intoxicação alimentar após comer um burrito em um food truck mexicano.

- bem feito! Nisso que dá ficar comendo essas besteiras por aí!- me recordei de Andrew (o vocalista, e um ótimo conselheiro) que ficava dizendo isso para Ethan a cada cinco minutos, depois de ser obrigado a ficar do lado dele enquanto tomava medicação.

Eles eram legais, na maior parte do tempo.

Às vezes roubavam os lanches uns dos outros, faziam pegadinhas irritantes e contavam piadas horríveis. Entretanto, eles eram talentosos e nunca deixaram ninguém para trás, bom, pelo menos não como eu estava fazendo agora.

Não gosto de pensar muito no passado, ou em como as coisas poderiam ter sido diferentes se eu conseguisse ser tão bom quanto eles. Acho isso deprimente. É relativamente fácil dizer aos outros para não ficarem se desvalorizando, e dizer aquelas frases "você tem muito potencial" que parecem terem saído de um livro de auto ajuda. Mas como não se diminuir quando se está cercado de pessoas que, sem dúvida, são muito melhores em algo cujo você lutou a vida toda para ser bom, e fazem isso sem esforço nenhum?

Pare de pensar nessas merdas, disse para mim mesmo, voltando a me encostar no banco, tentando relaxar. E, enquanto mergulhava novamente em um cochilo, a chuva ia se tornando uma tempestade.


A madrugada se estendeu noite adentro, toda a estrada estava imersa numa neblina forte o suficiente para não enxergar absolutamente nada. Não fazia ideia de que horas eram quando o ônibus finalmente chegou ao terminal rodoviário em Detroit (apesar de eu ter certeza de termos demorado umas duas horas a mais na estrada do que o previsto). Me levantei e, assim como os outros passageiros, peguei minha mochila e abri o compartimento de bagagens acima dos bancos, tirando de lá a case com o violão, tomando cuidado para não derrubar nada ou esbarrar em alguém.

Assim que saí e respirei ar puro, parecia que estava em um outro mundo, um lugar bem longe de tudo que eu conhecia. O terminal estava vazio, exceto por outros três ônibus que estavam um pouco mais ao longe, vi uns dois guardas caminharem pela área da bilheteria e embarque, parecendo um pouco sonolentos.

Eram quase seis da manhã e não demoraria muito para o dia começar a clarear. E, como eu simplesmente não podia ficar zanzando de um lado para o outro no meio do terminal, resolvi conhecer um pouco mais da cidade. Não sabia para onde ir, então deixei com que meus pés me guiassem pelas ruas e avenidas silenciosas e, quando percebi que estava começando a ficar entediado, peguei meu celular e disquei o número de Anthony.

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