Nunca (ou talvez) desista

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- vou ter que fechar a cafeteria - Matthew falou, sem mais nem menos.

O silêncio veio e, com ele, o medo também. Tudo estava tão bem, por que sempre tem que haver algo para estragar tudo? O que seria daqui para frente, bom, nenhum de nós tinha a resposta para isso.

Matt parecia arrasado, com uma expressão neutra que não transmitia nem tristeza ou temor. Os olhos encarando o nada, com olheiras devido a uma noite mal dormida, mas que deixavam claro que nem ele sabia exatamente o que fazer. Emily estava se esforçando para não chorar, apesar de um oceano de lágrimas estarem se formando, ela se mantinha firme o máximo possível. Eu ainda estava em choque, não conseguia falar nem ao menos pensar direito.

Win, por outro lado, parecia estar com raiva. Seu rosto se fechou em um semblante sombrio, de um jeito que nem imaginei ser possível para alguém como ele. Algo nele fez meu corpo se arrepiar, assustado. Ele cerrou os punhos, dando um passo à frente e atraindo a atenção de todos. Eu não era o único surpreso alí por vê-lo desse modo.

- certo, e por que?- Win perguntou, sua voz soando fria e sem nenhum pingo do que ele costumava ser.

- não temos dinheiro suficiente para cobrir todos os gastos e o aluguel do imóvel - Matthew respondeu, sem emoção nenhuma.

- isso é simples, não é? Basta tentarmos achar um novo jeito de conseguir o dinheiro que falta!- Emily também se intrometeu, apesar de não conseguir falar direto sem que uma ou outra lágrima escapasse dos seus olhos.

- você acha que é fácil assim?- Matt retrucou, a raiva enfim começando a surgir. Ele tinha razão, é impossível conseguir tanto dinheiro de uma hora para outra - a não ser que você tenha cinquenta mil dólares, acho que não vai ajudar muito!

- então vai ser assim?- Win bradou, colocando as mãos na cintura - vamos simplesmente desistir?

- e por acaso tem uma ideia melhor?- Matthew diz.

- tenho várias que não envolvem largar tudo e nem ao menos tentar! Por acaso quando foi que você se tornou tão medroso?- ele rebateu, dando mais um passo à frente, e notei que as coisas já estavam saindo do controle

- precisa haver um jeito!- Emily o encarava com uma expressão desesperada, gesticulando exageradamente ao falar. Suas mãos tremiam, e deixar de gaguejar era quase impossível.

- você sempre foi otimista! Sempre nos dizia que sempre vai existir uma solução para todos os problemas, seja lá qual for - Win insistiu, sem hesitar.

- dessa vez não há solução, sinto muito, de verdade - Matthew soltou um suspiro profundo, desistindo. Engoli seco, aquilo não poderia estar acontecendo.

Eu não sabia o que dizer. Fazia pouco tempo que trabalhava ali enquanto Emily e Win trabalhavam lá por muito mais de um ano, e não sei como eles deveriam estar se sentindo. Com raiva, tristeza ou talvez pavor. Independente de quanto tempo estive como funcionário da Disaster Café, sinto que esse lugar é meu lar, assim como também é para tantas pessoas que vem aqui todos os dias. Aqui é especial.

Foi o primeiro lugar que vim assim que cheguei em Detroit, em que conheci Metawin e onde caí no sono deitado sobre uma das mesas, com meu livro sendo usado como travesseiro improvisado. Nessa cafeteria descobri o que é se sentir feliz de verdade, aprendi a amar e aceitar que a vida nem sempre vai ser do jeito que a gente quer. Aqui dei muitas risadas, coloquei detergente no café de quem não ia com a cara e foi onde beijei Win pela primeira vez.

Essa cafeteria testemunhou muitas histórias, guardando um pouquinho de cada pessoa que veio e passou por aqui. Não sei imaginar uma realidade onde esse lugar não exista. 

Acordar todas as manhãs, tomar café e conversar com Win durante o caminho para o trabalho, brincar de não pisar nas linhas da calçada e rir um do outro sempre que passávamos vergonha. Tudo isso importava para mim. As incontáveis receitas de café, e as aulas de como fazer panquecas com a Emily e tudo que vivi nessa cafeteria também eram importantes.

Mas nada disso bastava.

Nenhuma dessas coisas iria ajudar. Mas isso não significa que seja o fim. Agora estamos vendo o futuro em risco, porém temos a escolha de tentar fazer algo para mudar. Estou cansado de finais tristes, e essa é minha vez de fazer diferente.

- Matt, qual é a data final para você entregar todo o dinheiro?- perguntei, de repente, e todos olharam surpresos para mim. Dei um sorriso confiante.

- até o meio-dia da quinta-feira na próxima semana, eu acho - ele disse meio confuso, mas agora vejo um brilho de esperança em seu rosto.

- o que você está…- Emily perguntou.

- com licença, tenho que fazer uma ligação!- falei a interrompendo antes que pudesse terminar. Sai apressado da sala dos funcionários, pegando o celular no bolso da calça e digitando a senha.

Estava quase saindo da cafeteria, pronto para clicar no ícone de telefone do aparelho quando, de repente, sinto uma mão segurar meu pulso. Me viro e vejo Win diante de mim, me encarando fixamente, provavelmente pensando que fiquei maluco. E até que, parando melhor para analisar, acho que fiquei mesmo.

Eu e ele estamos parados aqui, ao lado da porta de entrada da cafeteria vazia, com o céu cinza do outro lado dos vidros. Não faço ideia do que vou fazer, e nem sei se vai dar certo, mas preciso tentar. Win deixa sua mão deslizar do meu pulso até chegar a minha mão, se entrelaçando com carinho, fazendo meu coração se encher de coragem. Posso estar pondo tudo a perder, posso estar errado e equivocado, as coisas tem mil e um motivos de não saírem como o esperado. Mas eu não ligo. Não ligo para nada disso.

Me aproximo de Win, e ele não recua. E então eu o beijo. Sinto uma onda de sensações misturadas. Medo, felicidade, amor e tristeza. Tudo junto faz de mim ser quem realmente sou. Sou o Bright às vezes, também sou Sarawat, posso ser o maior covarde do mundo e ao mesmo tempo ter a maior coragem de todas. Sou guitarrista, mas trabalho numa cafeteria. Tenho milhões de defeitos, porém sei que tenho qualidades.

Eu sou tudo isso.

- o que você vai fazer, Wat?- Win sussurra ao nos separarmos, ainda com os olhos fechados e as bochechas rosadas. Com as testas coladas, tão perto um do outro e a respiração ainda ofegante, me permito sorrir.

- você confia em mim?- pergunto, baixinho.

- com todas as minhas forças - ele responde e meu sorriso aumenta consideravelmente.

- não se preocupe, ok - me afastei, apesar de querer ficar para sempre perto dele. Win também sorria, o que fez minha coragem ganhar um novo propósito.

Saí da cafeteria, seguindo pelas ruas meio sem um rumo certo. Com o celular em mãos, repassei todos os tópicos na minha cabeça, transformando as ideias em um plano muito bem organizado. Tenho quase tudo preparado na minha mente, apesar de que tenho certeza que vai ser complicado trazê-lo para a realidade. Digito um número em especial, espero três toques até que ele finalmente atende.

- Anthony, temos uma emergência!

Desconstruindo DetroitOnde histórias criam vida. Descubra agora