o mundo é dos loucos

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O chacoalhar do ônibus me fez dar um pulo, me tirando do breve cochilo que estava tirando, depois de um final de show igualmente estressante no Oregon. Me mexi com desconforto no banco macio do ônibus de turnê, sem conseguir espreguiçar por causa do espaço limitado. Tirei um dos lados dos fones de ouvido (que tocava Starboy do The Weeknd, caso esteja se perguntando).

Estava de noite do lado de fora, a floresta fechada que ficava do lado da estrada ficava assombrosa, já que não tinha quase nenhuma luz à quilômetros de distância (exceto pelos faróis dos poucos carros que passavam por lá). O cheiro de terra molhada me trazia um sentimento bom, quando novamente voltei a me acomodar no banco, soltando um suspiro pesado.

Por um momento estranhei o fato do ônibus estar tão em silêncio, o que era bem raro quando Ethan e Nathan estavam no mesmo lugar ao mesmo tempo. Talvez estivessem dormindo, pensei, finalmente notando que Anthony estava sentado ao meu lado, estando bem concentrado em seu celular - com certeza jogando Candy Crush outra vez - sem se dar conta que agora eu o encarava.

Tony era um ano e meio mais velho do que eu, com o cabelo castanho escuro encaracolado e barba não muito grande (sempre achei engraçado o jeito que seu bigode tinha aquela voltinha na ponta), o deixando com uma aparência um pouco mais velha do que parecia. Já perdi a conta de quantos discos de vinil ele tinha em sua coleção, e de quantas piadas horríveis ele conseguia criar.

Mas, independente disso, eu gostava dele.

Ele guardou o celular no bolso da jaqueta que usava, virando o rosto em minha direção, com uma expressão exausta, porém alegre.

- hoje foi um grande dia!- Tony comentou, orgulhoso.

- pra você é fácil falar - dei um sorriso ladino, sussurrando para não acabar acordando os outros rapazes - não é seus dedos que estão doendo!

- e por acaso acha que ser baterista é fácil?!- ele respondeu um pouco indignado, mas dando uma risadinha no final da frase.

- acho que já conversamos sobre isso antes - cortei o assunto antes que começasse uma discussão sobre qual das duas funções era pior (o que já havíamos feito à um tempo atrás).

- foi bem cansativo, mas finalmente acabou, pelo menos por enquanto - Anthony comentou, bocejando entre uma palavra e outra, deitando sua cabeça sobre meu ombro, fechando os olhos logo em seguida. Arqueei as sobrancelhas.

- ei! Por acaso tenho cara de apoio?- o cutuquei, tentando o empurrar com a outra mão, para que saísse de cima do meu ombro. O que não deu muito certo.

Anthony riu baixinho, pegando o outro lado do meu fone e colocando no ouvido, fazendo uma careta esquisita quando começou a tocar Queen. Desisti de tentar o fazer me deixar em paz. Quando Tony decidia perturbar uma pessoa, nada fazia ele parar até que estivesse satisfeito.

Ficamos em silêncio por um tempo, ouvindo Freddie Mercury cantar nos nossos tímpanos, conforme eu discretamente observava meu melhor amigo. Sabia que ele odiava Queen por causa do ex-namorado (que tinha o pedido em namoro em um carro no meio do nada, com Bohemian Rhapsody tocando no rádio) mas ele sempre escutava comigo sem reclamar. O que de certa forma me deixava feliz e triste ao mesmo tempo.

E, no meio dessa espiral de sentimentos confusos e pensamentos doidos, acabei outra vez pegando no sono.



Abri os olhos, na esperança de estar naquele mesmo ônibus de turnê com meus amigos, mas ao me deparar com o teto claro do quarto de hóspedes do apartamento de Win, minha felicidade se desfez. Era só um sonho. Uma lembrança.

Desconstruindo DetroitOnde histórias criam vida. Descubra agora