Terminei de me enxugar, com o banheiro ainda repleto de vapor, fazendo com que eu tivesse que esfregar o vidro do espelho com a palma da mão para poder ver meu reflexo (que, felizmente, não estava tão ruim como nos dias anteriores). O cansaço e as olheiras já não estavam mais lá, os olhos tinham um brilho fraco, mas não tinham mais aquele ar de frustração. E, por um instante, me senti bonito de verdade.
Claro que qualquer um diria que sou atraente, já escutei esses comentários centenas de vezes na vida, sem querer me gabar. Mas é diferente quando você enxerga isso. Apesar do meu cabelo ainda estar uma bagunça, as cicatrizes de machucados e espinhas continuarem alí e estando um pouco grogue por ter acordado agora à pouco.
A beleza não é só o que vemos do lado de fora, apesar de acreditarmos ser desse jeito (e a sociedade também). A alma também é bonita e, nesse momento, podia sentir que a minha era linda.
Comecei a me vestir, fechando o zíper da calça jeans e ajeitando as mangas do suéter de lã cinza com estampa de guaxinim - que por sinal eu havia gostado bastante - e saí do banheiro, pronto para mais um dia de trabalho. O café da manhã já estava à minha espera no lugar da mesa onde sempre costumava me sentar. Win também estava lá, terminando de digitar alguma coisa no celular e largá-lo sobre a mesa, cruzando os braços e deitando a cabeça sobre eles. Algo não estava nada bem.
Dei a primeira mordida nas torradas com geleia e pasta de amendoim, sem conseguir desviar minha atenção dele. Win parecia abatido, e expressão tensa e olhos um pouco avermelhados dava a impressão de que não tinha dormido direito.
Meu coração doeu ao vê-lo assim.
- o que aconteceu?- perguntei, limpando com as costas da mão um pouco de geleia que havia ficado no meu queixo.
- brigamos de novo - ele murmurou baixo, sem me encarar, dando uma risada fraca - bom, é oficial, sou péssimo no quesito de relacionamentos!
- de quem foi a culpa dessa vez?- falei quase que automaticamente, pegando a caneca (que era com desenho fofo de vaquinha) e dando um gole longo no suco de laranja.
- foi minha, acabei exagerando um pouco - deu um sorriso amarelo, soltando um suspiro pesado, sem saber exatamente como continuar - faz um tempo que ela anda postando umas fotos com um cara da faculdade dela. Ela diz que são apenas do mesmo grupo de estudos, mas não sei, viu....
Revirei os olhos, já ficando irritado com essa tal de Hana, mesmo que eu nem a conhecesse direito, ela parecia ser o exato tipo de pessoa com a qual eu queria o máximo de distância possível. Win enfim me encarou, com aquele mesmo olhar de coelhinho que fez minhas bochechas ferverem.
- será que fiquei paranóico?- sussurrou, inclinando a cabeça um pouco mais para a direita - digo, com essa coisa toda de fotos e amigos de faculdade.
- o que seu instinto diz?- questionei.
- não sou muito de dar ouvidos aos instintos, sempre dá merda - deu risada, que claramente havia sido um pouco forçada, mas deixei isso pra lá.
- então sua intuição deve ser meio burra - comentei segurando um riso, quase terminando de comer toda a torrada - vamos, mas responda a pergunta mesmo assim, ok?
- você é um chato!- Win bufou, mas pude ver um pequeno sorriso se formar em seu rosto, o que era um bom sinal - bem... meu instinto está dizendo que esse cara não é só um amigo, e que as vezes que ela desmarcava um encontro e me dizia que precisava ficar em casa estudando para as provas era só enrolação.
- resumindo, você acha que ela está saindo com outra pessoa?- falei, ativando o meu modo "detetive do FBI" para desvendar aquele caso complexo.
- sim, eu acho, mas também pode ser só coisa da minha imaginação - ele respondeu com bastante confiança, voltando a endireitar a postura e encostar-se na cadeira, encolhendo os ombros e ficando um pouco tenso novamente.
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Desconstruindo Detroit
RomansaUma noite chuvosa, um táxi amarelo e uma mala com somente o essencial e seu violão. Era tudo isso que Bright tinha ao embarcar rumo para o lugar mais longe possível de suas aflições em Nova York e, principalmente, da sua banda. Detroit era como uma...