Acordei de repente, com a visão embaçada e sem fazer ideia de onde estava (e você já deve ter percebido que não tenho o melhor senso de orientação do mundo).Por um momento minha mente me fez acreditar que estava em Nova York, acabando de despertar de um cochilo em cima da escrivaninha, no quarto em que dividia com Ethan, podendo ouvir a voz dos meus amigos vindo da sala, talvez rindo de alguma piada ruim ou depois de uma cena de um episódio de Friends. O típico cheiro de perfume barato se misturava com o odor nem um pouco agradável da pilha de roupas sujas que ia se acumulando detrás da porta, me trazendo de volta para o lugar em que aprendi a chamar de casa.
Acreditei estar no mesmo apartamento em que morávamos a quase quatro anos - talvez mais - após assinar nosso primeiro contrato com uma gravadora. Nunca me esqueci daquele dia. A reunião tinha sido exaustiva, longa e incrivelmente chata, porém, depois de vermos o contrato assinado com nossos nomes diante de nós, senti que tudo aquilo havia valido a pena.
E, de fato, tinha mesmo.
Mas assim que abri os olhos, não vi a papelada que costumava ficar em cima da escrivaninha, não vi meu quarto e tampouco meus amigos. Em uma fração de segundo, fui arrancado de minha imaginação e trazido de volta para a realidade, a mesma pela qual eu daria qualquer coisa para nunca mais voltar.
- ãhh?- murmurei ao sentir meu ombro ser sacudido levemente. Piscando os olhos devagar e limpando com a manga da minha blusa uma linha de saliva que escorria pela lateral da boca.
Ainda que estivesse meio sonolento, tentei me recompor e fingir que não tinha caído no sono deitado numa mesa no meio de uma cafeteria e, para completar, à quilômetros de Nova York. Não sou do tipo de pessoa que se envergonha por qualquer coisa, mas naquele momento não pude deixar de ficar. Não por ter acabado de acordar de uma soneca e que eu, provavelmente, estava um total bagaço. Mas sim por quem veio me despertar.
O encarei, podendo vê-lo muito melhor agora que estávamos, literalmente, a centímetros um do outro. Ele não era bonito, pelo menos não como aqueles modelos que apareciam nas revistas ou em muitos filmes, mas, não se parecer com nenhum deles não significava de maneira nenhuma que ele não era lindo do seu próprio jeito.
Vi a silhueta da garota de cabelo rosa surgir logo atrás dele, me observando por uns instantes e dando uma risada abafada, se curvando para perto dele e sussurrando (mas não baixo o suficiente para que eu deixasse de escutar).
- será que é um zumbi?- ela perguntou.
- pelo amor de Deus, Emilly!- ele respondeu olhando para ela como se não acreditasse no que tinha dito, se bem que eu achei a idéia de eu ser um zumbi bem melhor do que a de ter ido para Marte.
- ué, perguntar não ofende!- ela deu mais uma risada, se calando ao perceber que eu havia acordado, voltando a murmurar baixinho - a Bela Adormecida acordou!
Assim que me ajeitei na cadeira, senti uma dor terrível nas costas, o que me serviria de lembrete para nunca mais cometer o erro de dormir sentado numa mesa de cafeteria. Emily saiu logo depois, indo de volta para o balcão e atendendo dois clientes que tinham acabado de chegar, me deixando sozinho com Win (sim, ainda me lembro do nome dele) que ainda me encarava.
- você está bem?- questionou, se afastando um pouco e cruzando os braços.
- estou...- respondi tímido, sentindo um leve formigamento nas bochechas. O que não era um bom sinal.
- tem certeza?- insistiu, pegando o copo de papel e o prato que ainda estavam em cima da mesa - você está... bem...
- detonado?- o interrompi, terminando a frase antes que ele o fizesse. Não fiquei bravo por isso, eu realmente estava só o pó, no fim das contas.
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Desconstruindo Detroit
RomanceUma noite chuvosa, um táxi amarelo e uma mala com somente o essencial e seu violão. Era tudo isso que Bright tinha ao embarcar rumo para o lugar mais longe possível de suas aflições em Nova York e, principalmente, da sua banda. Detroit era como uma...