Lobo em pele de carneiro

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Conversar sobre um assunto bastante sério com seus amigos é bem mais complicado do que parece ser, principalmente quando um certo alguém (vulgo Emily) não se desgruda de Andrew, que é fuzilado pelo olhar mortal de Amanda, que não está sendo nem um pouco discreta.

Anthony, por outro lado, em poucos minutos já se enturmou com todo mundo, e fez questão de pegar o número de celular de Matthew, apesar de dizer que era apenas para manter contato sobre trabalho, se bem que desconfio que seja por outros motivos. Ethan permaneceu quieto na maior parte do tempo, falando apenas o necessário e palpitava em alguns momentos, parecendo mais sério do que o habitual.

Por as ideias em discussão, propor sugestões e elaborar cada pedacinho do plano foi até que bem tranquilo, ao contrário do que eu estava pensando. E, conforme a conversa se estendia, a ausência de Bright foi praticamente esquecida. Porém, mesmo que por ora eu tenha escapado desse problema, sei que talvez não tenha tanta sorte na próxima vez.

O dia passou depressa, e decidimos que era melhor fazermos uma pausa para descansar e respirar um pouco de ar puro. Cogitei a possibilidade de passar esse intervalo junto com Win, entretanto Anthony e Amanda foram mais rápidos e o puxaram para conversar em um dos cantos vazios da cafeteria. Suspirei profundamente, enfiando as mãos nos bolsos da calça e indo até a porta. O Sol de fim de tarde brilhava no horizonte, seguido pelo vento frio típico do outono, me fazendo repensar se tinha sido uma má ideia não ter pego uma blusa extra ao sair de casa.

- parece que você já se acomodou - ouço Andrew rir, fechando a porta atrás de si e caminhando até mim, tirando um isqueiro e um cigarro de um dos bolsos da jaqueta de couro que usava.

Ele põe o cigarro na boca e o acende rapidamente, sem deixar de me encarar. Sempre achei ele um pouco intimidador, talvez pelo seu tamanho (Andrew era dez centímetros mais alto do que eu), ou pela forma que olhava para mim, como se soubesse de todos os meus pecados e os julgasse um por um. Ergo a sobrancelha e tento fazer a expressão mais indiferente possível.

- talvez sim, essa cidade é boa - ignoro seu tom de voz, não estou com paciência para discutir hoje. Só quero ser deixado em paz até poder voltar para o apartamento e passar o resto do dia com Win.

- sim, ela é ótima - Andrew guarda o isqueiro.

- gosto daqui, qual é o problema?- forço um sorriso, que com certeza saiu torto, tento não me importar e continuo - Detroit é mesmo ótima, tenho que admitir.

- acho que não é só de Detroit que você gosta - ele dá um trago no cigarro, soltando a fumaça em uma risada rouca. Sei exatamente do que Andrew está falando e acho que qualquer um saberia.

- sinceramente, eu não sabia que haveria problemas se me apaixonasse - meu sorriso fica mais largo conforme entro na discussão e aceito a provocação, dessa vez determinado a ganhar esse jogo estúpido que Andrew insiste em querer jogar.

- não tem problema nenhum, cara, exceto se essa paixãozinha te deixa tão frouxo assim - ele cospe as palavras sem hesitar, seu olhar me atravessa como canivetes, o brilho de satisfação em suas pupilas é encoberto por mechas loiras de seu cabelo que caem em seu rosto risonho.

- suponho que o único que deveria se preocupar com isso sou eu, não acha?- retruco, observando os carros passarem na avenida.

- eu só estou dizendo isso porque é estranho te ver desse jeito, todo meigo quando, na verdade, você não é nem um pouco assim - ele dá uma risada sarcástica.

- o que você está tanto querendo dizer exatamente?- reviro os olhos, impaciente.

- ficamos em sérios apuros sem você na banda, Bright. Te procuramos por quase toda a cidade, e tivemos que inventar um milhão de desculpas para dar à todos aqueles jornalistas idiotas - Andrew também desviou sua atenção para os carros - enquanto você está aqui numa boa com seus novos amigos, vivendo sem preocupação e transando com seu colega de trabalho. Escondendo seu paradeiro de mim e de Ethan.

- deixe Win e eles fora dessa conversa - começo a ficar nervoso. O cheiro da fumaça do cigarro me deixa com vontade de tossir, e o som da risada dele faz cada um dos meus nervos gritar - eu só escondi porque sabia que vocês iriam querer vir até aqui no mesmo instante me buscar, como já falei antes.

- certo então. Mas, me diz, como você conseguiu enganar todos eles assim tão fácil? Você é esperto, eu sei, mas mentir em larga escala é algo de outro nível - Ele fica na minha frente, de modo que seja simplesmente impossível o ignorar e olhar para outro lado.

Respiro fundo, tentando manter a calma.

- se você está tão incomodado, por que decidiu vir até Detroit? Era só ter ficado lá em Nova York, onde pode ser paparicado vinte e quatro horas pela imprensa- pergunto, sem me preocupar em ser educado.

- acontece que eu estava curioso para ver até onde isso ia dar, quando Anthony me contou tudo, admito que não acreditei no começo. Imaginar que logo você, o guitarrista quieto e antissocial, sem ofensa, estava fazendo tantas pessoas de trouxa, foi algo que eu queria assistir de camarote - cada palavra desce em minha garganta com um gosto amargo.

- trouxa fui eu em pensar que, por um momento, você fosse meu amigo - falo sem medo, vendo o sorriso de Andrew se fechar no mesmo instante.

- eu sou seu amigo, Bright, mas trabalho e amizade não andam juntas sempre, só faça seu plano, volte para Nova York e continue a compor suas músicas, ok?- Ele diz, e como sempre parece ter uma resposta pronta para qualquer ocasião ou problema - não jogue seu futuro fora por um amor que você nem sabe onde vai te levar.

- e se por acaso eu quiser arriscar?- rebato sem pensar duas vezes.

- eu te conheço a bastante tempo, e vi o quanto você se esforçou para entrar nessa banda, as noites que passou acordada e as coisas que teve que sacrificar - ele dá dois tapinhas em meu ombro - só não quero que largue tudo e se arrependa depois. 

- algum problema por aqui?- Ethan surge do nada.

Andrew mantém a calma e o mesmo semblante sereno, sem se importar em ter quase sido pego. Meu coração, entretanto, está acelerado e minha cabeça tenta processar tudo com dificuldade. Talvez fosse o cansaço ou a noite mal dormida, mas meu cérebro não consegue trabalhar direto.

- nenhum, só vim fumar um pouco… - Ele dá um sorriso ladino, pisca para mim e entra na cafeteria como se nada houvesse acontecido.

- você está bem?- Ethan insiste em perguntar, como se soubesse algo estava errado comigo. Não faço questão de sorrir ou de tentar esconder que, não, estou longe de estar bem.

- sim, por que não estaria?- respondo rapidamente, mentindo outra vez. Sou uma máquina de mentiras que veio sem o botão para desligar.


Desconstruindo DetroitOnde histórias criam vida. Descubra agora