A vingança tem gosto de detergente

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Eu odeio o amor.

É tudo isso que consigo pensar, enquanto anoto os pedidos dos clientes e entrego o troco em moedas e algumas notas de cinco dólares. Pode parecer meio infantil, mas existe uma ampla lista de coisas que eu odeio, e acabo de adicionar mais um item nessa contagem.

Por exemplo, eu detesto uva-passa, é horrível e amargo. Não gosto de abacate, e tenho certeza que a vitamina de abacate foi um erro da humanidade. Cheetos Requeijão, Jazz, cachecol de lã e Linkin Park como trilha sonora de filme também se encaixam facilmente nessa lista.

Toda essa coisa de amor sempre me perturbou desde a adolescência, quando eu ainda era um gay não assumido e completamente perdido no meio dessa confusão de sentimentos. Isso sempre foi um problema. Não consigo me expressar bem com as palavras, claro que consigo compôr músicas razoavelmente boas, mas quando preciso abrir a boca e falar, aí é que tudo começa a dar errado.

Mas, por incrível que pareça, dessa vez eu nem precisei dizer absolutamente nada para conseguir estragar tudo. Acho que consegui subir de nível no quesito de ferrar com toda minha vida. Se eu não tivesse acordado cedo, não iria até o quarto de Win, não o faria cócegas e muito menos teríamos escutado aquela música horrível. E provavelmente, o clima entre nós estaria como antes.

Se eu tivesse agido como um cara normal, talvez eu fosse hétero, teria ficado em Nova York e tido idéias boas para músicas que me levariam ao sucesso. Mas agora o minha vida se resumia a atender os clientes com a maior rapidez que pudesse, entregar o troco e dar o meu melhor sorriso simpático. E ignorar totalmente a existência de Win durante todo esse processo.

Uma jovem chegou no caixa, olhando fixamente para o cardápio preso na parede atrás de mim, talvez tentando decidir entre um cappuccino ou ristretto. Ela deveria ter uns vinte anos, magra e loira (com o cabelo tingido por aquelas tinturas bem ruins de farmácia). Olhei discretamente para o relógio logo à minha direita.

Faltavam três minutos para meu horário de almoço.

- eu vou querer um cappuccino forte, por favor - ela deu um sorriso tão falso que faria aquela tintura de cabelo ridícula dela parecer a coisa mais natural do mundo.

- claro - falei sem me esforçar nem um pouco para ser gentil - deu o total de sete dólares.

Sabe quando, de alguma maneira, só de olhar para uma pessoa você acaba não indo com a cara dela? Mesmo sem essa pessoa não ter feito ou falado nada errado mas, internamente, bate um aviso no seu cérebro de que é para manter distância aquele fulano. Bom, é exatamente isso o que acabou de acontecer comigo, enquanto ela me entrega uma nota de dez dólares.

Respira fundo, digo mentalmente para mim mesmo, seu dia está uma porcaria, não tente piorá-lo. Mas eu não precisei fazer nada porque, como se o universo gostasse de ferrar com todo mundo, Win aparece bem nesse momento.

Ele parece meio avoado, troca algumas palavras com Emily e passa por nós dois depressa, sem nem perder o equilíbrio da bandeja que estava segurando com duas xícaras de café em cima. E logo percebi que não foi somente eu e minha colega de trabalho que notamos a presença de Win, a garota loira também notou. Seus olhos encaravam Metawin, que andava pela cafeteria entregando os pedidos, e nem precisei de dois segundos para entender o que ela estava pensando.

E é óbvio que não gostei nem um pouco.

Assim que a moça pegou o troco e se sentou numa das mesas próximo de uma das janelas, rapidamente formulei um plano na minha cabeça, que sem dúvida poderia me fazer ser demitido caso fosse descoberto (porém iria garantir que isso não acontecesse).

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