O demônio daquele seriado lá

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As vezes me pergunto como é que eu tenho a incrível habilidade de estragar tudo de uma hora para a outra. Acho que esse talento deveria entrar no Guinness book.

Voltar para o apartamento depois daquilo foi uma das piores coisas que passei. Enfrentar o silêncio durante o caminho era torturante, principalmente quando sabemos que não há absolutamente nada para dizer que possa melhorar a situação. O que eu deveria fazer? Nada nesse mundo deixaria Win com menos raiva de mim, e nem mesmo milagres ou fadas madrinhas adiantariam muito.

Pensar em como as coisas poderiam ter sido bem diferentes, e melhores, se houvesse contado logo a verdade. Mas não contei. Guardei isso até que se transformasse num desastre. E não dava para simplesmente ignorar, consertar com fita adesiva e fingir que estava tudo resolvido, havia muito mais para fazer.

Olhei de soslaio para Win, que seguia andando ao meu lado, mas mantendo uma distância de poucos, porém significativos, centímetros de mim. Seu rosto estava inexpressivo, e ele sem dúvidas tentava fingir que eu não estava ali. Queria tocá-lo, segurar sua mão e sentir seus dedos nos meus, mergulhar no seu abraço e esquecer tudo que aconteceu. Ele era a única coisa que ainda me mantinha com os pés no chão, mas também era a única coisa que eu jamais poderia voltar a ter.

Entramos no apartamento, o som do ranger das dobradiças da porta amenizou um pouco o silêncio, enquanto no escuro eu tateava a parede em busca do interruptor. A luz invadiu a sala, iluminando os móveis e as milhares de almofadas de coelho no sofá, e por um momento respirei tranquilo. Pelo menos algo ainda estava igual ao que era antes.

- estou indo dormir…- a voz de Win fez meu coração bater mais forte, mesmo que logo após ele tenha saído da sala e se trancado no próprio quarto, sem nem dar um boa noite. Sem nem olhar para mim.

Também fui até meu quarto, peguei uma muda de roupa limpa e segui para o banheiro. Talvez tomar um banho ajudasse a acalmar os nervos.

Me despi sem pressa, jogando a roupa suja e com um cheiro horrível de álcool sobre o piso branco. Liguei o chuveiro na temperatura mais quente que pude, esperei até que todo o recinto se enchesse de vapor e entrei. Minha pele ardia ao contato da água fervente, que parecia ter saído de um vulcão. Passei as mãos úmidas pelo rosto, molhando parte do meu cabelo sem querer, fazendo-o grudar na testa e pescoço.

Fechei os olhos, sentindo as lágrimas salgadas descerem pelas bochechas até o queixo. Prendi o fôlego e entrei de uma vez debaixo do chuveiro, deixando com que me molhasse inteiro. Logo as lágrimas se misturaram com a água quente, se tornando uma só. 

- você não vai dizer nada?- lembro das palavras de Win, passando devagar na minha memoria, me fazendo estremecer - quem você realmente é?

Quem eu realmente sou…


Faz meia hora que estou aqui, deitado de bruços na cama, com a cabeça afundada no travesseiro em meio ao breu. Reformular planos é exaustivo. Já pensei em todas as formas de pedir desculpas que existem, incluindo se ajoelhar no chão e chorar até ser perdoado, ficar enchendo o saco da pessoa pedindo desculpas ou sequestrar alguém para servir de chantagem emocional (ainda não sei de onde tive essa última ideia).

A ressaca piora a situação mil vezes, e em pensar que daqui a poucos dias terei que fazer um show beneficente faz minha cabeça fritar. Tantas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo, e não sei se dou conta de tudo sem Win ao meu lado.

Ouço meu celular tocar em algum canto do quarto. Está escuro demais para enxergar qualquer coisa que não esteja a poucos milímetros de mim, e a tontura e enjôo dificultam bastante. Levanto da cama parecendo um zumbi, escorregando do colchão e rastejando até a escrivaninha, procurando no meio de uma pilha de roupas pelo celular, sem muita pressa. E quando vejo quem havia me ligado em plena madrugada, não fico surpreso.

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⏰ Última atualização: Nov 19, 2020 ⏰

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