guia do escoteiro para pessoas tristes

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Sempre ouvi falar que o primeiro amor nós nunca esquecemos, e posso te dizer que isso é totalmente verdade (é sério mesmo). Me lembro perfeitamente de como foi minha primeira paixão, no sétimo ano, quando a vida ainda era fácil e não precisava me preocupar com o quase nada.

Piper era um ano mais velha do que eu, mas fazíamos o mesmo clube de teatro na época, o que ajudou um pouco. E foi graças a esse mesmo clube que consegui beijá-la, quando apresentamos uma peça para quase metade da escola (e a propósito, foi o meu primeiro beijo) apesar de não me lembrar direito se a peça era A Bela Adormecida ou Branca de Neve.

Infelizmente nosso romance não deu certo - ela trocou de colégio no mês seguinte - mas acho que de qualquer forma não ia dar certo mesmo. No oitavo ano as coisas começaram a mudar quando comecei a jogar futebol, e percebi que o goleiro do time rival me chamava mais a atenção do que era normal. O que no começo me deixou em pânico.

Na verdade, eu fiquei apavorado.

Ignorei aquele sentimento por quase um ano, até que fui transferido para uma escola maior, e por um momento pensei que tinha fugido daquele problema. Não, eu não tinha! Não me lembro o nome dele, e pode parecer meio clichê o que vou dizer, mas minha vida mudou completamente depois que o conheci. Quando o beijei - numa festa da escola onde eu estava um pouco bêbado na hora - notei que era muito diferente de quando beijei Piper muito tempo atrás.

Porém se assumir gay não é tão simples como admitir que mentiu ou quebrou alguma coisa. Deve ser por isso que nunca contei para meus pais (eles jamais me aceitariam) e levei esse segredo comigo até que, um dia, entrei na Malibu Shark.

E nunca mais me senti horrível por gostar de garotos.

Mas saindo um pouco do meu passado deprimente, vamos voltar um pouco para a realidade, que também está uma porcaria. Win tinha se enclausurado no quarto desde que chegamos em casa depois do final do expediente, não trocamos mais do que duas frases e ficamos num silêncio terrível. Não tentei puxar assunto, sabia que ele precisava de espaço e de um tempo para pensar, mas a quietude do apartamento estava começando a me deixar irritado.

Estava sentado na sala, pensando numa forma para melhorar as coisas, com o celular em mãos, pesquisei no Google diversas maneiras de animar alguém triste, e fiquei ainda mais irritado com os resultados horríveis que recebi da pesquisa. Estava prestes a mandar uma mensagem para Anthony para perguntar o quê ele faria numa situação daquelas, quando tive um plano.

- ok, vamos lá - murmurei para mim mesmo, me levantando e indo até a cozinha.

Peguei em uma das gavetas uma toalha de mesa vermelho xadrez, junto com pacotes de salgadinho, cookies, latas de refrigerante, biscoitos, alguns pacotes de balas (incluindo as de ursinho) e voltei para a sala. Empurrei a mesinha de centro para o canto e estendi a toalha pelo tapete, colocando todas as outras coisas em cima dela.

Contemplei minha idéia genial: um piquenique dentro de casa! Tudo bem, ela poderia não ser tão genial assim, mas já era um bom começo, certo? Agora com tudo pronto, íamos para a parte mais complicada do plano: convencer Win a sair daquele maldito quarto. O que ia ser um pouquinho difícil.

Por sorte eu adoro desafios!

Falar não ia resolver, porém eu tinha uma solução para isso (hoje eu ando bastante criativo). Arranquei uma folha do bloco de notas que levava na minha mochila, procurei por uma caneta e fui até a porta do quarto de Win, me sentei no chão e coloquei meu novo plano em prática.

"Ei, coelhinho" escrevi no papel com a letra mais legível que deu pra fazer - minha letra é um garrancho - e passei pela fresta por debaixo da porta.

Desconstruindo DetroitOnde histórias criam vida. Descubra agora