Bright e os abacaxis

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Entrei no banheiro e logo me despi das roupas que usava. Encarei o espelho, ficando surpreso por alguns instantes ao ver que, de fato, eu estava um completo bagaço. Não sabia de onde aquelas olheiras arroxeadas haviam surgido debaixo dos meus olhos, o cabelo bagunçado e a expressão melancólica que carregava também não melhoraram muito a situação. Era engraçado pensar que podemos ficar irreconhecíveis até para nós mesmos de uma hora para outra.

Meu reflexo parecia me julgar, quase podia ouví-lo dizer: espero que saiba o que está fazendo.

Liguei o chuveiro e deixei com que o vapor enchesse todo o recinto, embaçando minha imagem no espelho até que restasse só um borrão. A água quente me fez relaxar um pouco, deixando os músculos menos rígidos e a mente mais tranquila. Pelo menos agora tinha onde ficar e não precisaria me preocupar em achar um hotel barato ou ficar ao relento. Isso era bom, não era?

Fiquei mais uns cinco minutos no banho, refletindo sobre o completo caos que minha vida tinha se transformado de repente. Não importava para o quão longe fosse, jamais conseguiria escapar do medo. O medo de não ser bom o suficiente, de decepcionar todos que contaram comigo e, principalmente, de falhar comigo mesmo. Disso não tinha como fugir.

Saí do banho e comecei a me secar e vestir, sem conseguir deixar de rir ao ver que, no meio das roupas que Win tinha me emprestado, havia uma calça moletom branca. Não uma comum, mas com estampa de abacaxis! O que não era nada ruim quando combinado com as meias (que tinham desenhos de ovos fritos) e a blusa amarelo claro escrito No Drama Lhama e, é óbvio, com a estampa de uma lhama.

- isso só pode ser brincadeira...- murmurei ao terminar de me vestir.

Roupas coloridas não eram lá as minhas preferidas, visto que meu guarda roupa tinha uma paleta de cores bem entediante - na maioria era só cinza, preto, camuflado e roxo escuro - mas entre todas elas sempre havia uma peça ou outra um pouco mais diferente, que eu usava só porque algum fã ou amigo tinha me dado de presente. Porém, usar algo tão estranho estava fora dos meus planos para essa viagem.

Dei uma arrumada no cabelo, tentando ajeitar os fios arrepiados com os dedos, mas sem muito sucesso. Anthony sempre dizia que eu precisava dar mais vida ao meu cabelo, mas tenho quase certeza que, se fizesse isso, ele provavelmente me mataria. Então era melhor deixar como estava.

Assim que abri a porta do banheiro, senti um cheiro delicioso e, como resposta, ouvi meu estômago roncar esfomeado. Já fazia algumas horas desde minha última refeição e logo fiquei grato por Win ter se oferecido para fazer o almoço. Cheguei na sala de jantar, me debruçando sobre o balcão que separava a cozinha estilo americana do restante da sala, observando ele terminar de preparar um omelete com bacon (que, ao julgar pelo cheiro, deveria estar maravilhoso).

- parece que a roupa serviu bem em você - ele deu um sorriso ladino, me olhando rapidamente antes de voltar a se concentrar no fogão.

- digamos que o seu senso de moda seja bem exótico!- retruquei, indo até um dos armários da cozinha e pegando dois pratos.

- como assim?- Win perguntou risonho.

- olha isso!- apontei para mim mesmo, depois de pôr os pratos sobre a mesa - isso parece normal?

- sim, é normal sim!- deu risada, desligando o fogão e indo procurar por algo dentro da geladeira - o que não é nem um pouco normal é você ler Como eu era antes de você!

- primeiro: calça de abacaxi é estranho sim!- bufei, colocando as mãos na cintura, sendo recebido por outra risada dele - e segundo: qual é o problema de eu ler romances? Não é tão ruim assim! Claro que tem alguns clichês...

Desconstruindo DetroitOnde histórias criam vida. Descubra agora