A fúria de um saco de lixo

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Odeio quando passam marca-texto nos livros.

Livros não foram feitos para serem riscados, marcados ou dobrados, eles foram feitos para serem apreciados.

Agora aqui, no caixa da cafeteria no meio de uma segunda-feira fria e chuvosa, observo os poucos clientes que terminavam de tomar seu café e se preparavam para seguir com suas próprias vidas. Pessoas são como livros, no final das contas, não foram feitas para serem machucadas, magoadas ou deixadas. Elas foram feitas para admirar. E se elas são como livros, nossas ações são como o marca-texto que mancha suas páginas.

A cafeteria não estava muito cheia, o que me deixou sem muita coisa para fazer. Troco algumas mensagens com Anthony durante a pausa para o almoço, e ele me conta como as coisas estavam por lá desde minha partida temporária. Ethan e Nathan estavam tentando lidar com a pressão de ter que lidar com minha ausência, enquanto Andrew saía e me procurava por todas as ruas de Nova York após os ensaios.

Todos eles se culpavam pelo meu sumiço, apesar de eu saber que o único culpado era eu. De um lado existia Bright, o guitarrista da Malibu Shark e com problemas de inspiração e autoestima. E do outro lado tinha Sarawat, um dos funcionários da Disaster Café, com vários amigos e uma paixão não tão secreta por seu colega de apartamento. Criei duas personalidades diferentes, vidas separadas e que certamente iam me trazer problemas no futuro.

Até quando esse segredo ia se manter? Claro que é impossível que dure para sempre, uma hora ou outra vão descobrir. E quando acontecer, acho que não estarei preparado para lidar com isso. Tenho ainda algumas semanas para resolver tudo e decidir o que irei fazer com meu futuro daqui em diante, e dessa vez não tem como fugir.

Senti uma mão pousar sobre meu ombro, e nem precisei me virar para saber que era Win. O clima entre nós tinha suavizado um pouco, mas ainda era tenso o suficiente para me deixar ansioso sempre que estava perto dele. Como agora.

- está pensando em quê?- ele sorriu, olhando para os lados, vendo se Matthew não estava por perto.

- em nada demais - falei um pouco desanimado para criar uma resposta decente - imaginando teorias da conspiração, pra ser sincero.

- como assim?- Win perguntou, curioso.

- você já parou para pensar que dormir é como se fosse uma amostra grátis de como é a morte?- dei um sorriso fraco - e se todos nós fossemos um tipo de experimento conduzido por uma raça mais evoluída?

- acho que você anda vendo muitos filmes de ficção científica!- Ele comentou, um pouco surpreso e até mesmo assustado. Sinceramente, nem sei de onde essas idéias acabaram surgindo, mas achei que seria legal compartilhá-las.

- e eu acho que você deveria parar de criticar meus gostos para filmes, e principalmente ficar falando sobre isso com outras pessoas!- fiz uma careta seria, ainda não superei (e acho que nunca vou superar) o fato de que Win tinha dito para Amanda que eu tenho péssimas escolhas para filmes!

- falando nisso, eu tenho uma novidade!- Win disse empolgado, arrumando o laço de seu avental e me encarando com um sorriso largo - todos nós vamos num happy hour depois do expediente.

- espera, todos nós?!- repeti, meio chocado.

- sim, isso mesmo! Emily, Matthew e eu vamos sair juntos, quero que eles conheçam a Amanda, e essa parece ser uma boa oportunidade - respondeu, e logo descobri que detestava essa ideia - e a não ser que queira voltar sozinho para casa e morrer de tédio no apartamento, sugiro que vá junto!

- e por acaso eu tenho outra opção?- revirei os olhos e suspirei. Esperava que não precisasse mais aturar essas confraternizações, mas pelo visto tinha me enganado.

Desconstruindo DetroitOnde histórias criam vida. Descubra agora