Eu odeio trabalhar.Essa foi a conclusão que tomei após o turno na cafeteria finalmente acabar, enquanto literalmente me arrastava de volta para o apartamento, sendo obrigado a ouvir Win dar risada de mim a cada cinco minutos (assim como tive que suportar as piadas sobre como eu parecia um zumbi de algum videogame sem graça). E quando abri a porta do quarto e me joguei no colchão macio da cama, senti todo meu corpo relaxar como nunca antes. Acho que nunca fiquei tão feliz por ver uma cama em toda minha vida.
Durante boa parte da infância e adolescência, cansei de escutar centenas de histórias sobre como o trabalho pode ser gratificante, e que o sentimento de ter sua própria independência era algo maravilhoso. E agora, depois de experimentar essa tal gratificação, posso dizer com todas as palavras e sem medo de estar equivocado que, sim, eles estavam errados. Pode parecer exagero, eu sei, mas quando se é forçado a sorrir e ser gentil por doze horas seguidas (e ter que se segurar para não acabar perdendo a paciência) estará alcançando um novo nível de exaustão, um pela qual nem sabia que existia.
Fiz muitas turnês durante minha carreira de guitarrista, e passar horas na estrada, ter noites mal dormidas em hotéis horríveis e ensaiar durante o dia para os shows não é uma tarefa para qualquer um. Mas, de certa forma, já havia me acostumado. As viagens eram rotineiras, insônia e longos períodos de irritabilidade já eram velhos amigos para mim, e já nem me importava tanto. E ficar enclausurado em um ônibus por tanto tempo com seus amigos te faz pôr as coisas em perspectiva.
Entretanto agora, deitado de bruços sobre os lençóis e com uma dor de cabeça terrível, poderia jurar que tinha acabado de sete turnês de uma só vez.
O barulho do chuveiro ligado podia ser ouvido do outro lado do corredor, mesmo com a porta do meu quarto estando quase fechada, o cheiro de shampoo e sabonete impregnava o ar levemente. Tirei um cochilo, que não deve ter durado mais do que poucos minutos, pois logo fui acordado com Win me chamando baixinho. O odor de shampoo agora estava ainda mais forte, tomando conta de minhas narinas conforme me ajeitava na cama, de modo que conseguisse vê-lo com clareza.
Seu cabelo estava molhado, mechas castanho escuro estavam grudadas em seu rosto, pingando gotas de água sobre a toalha colocada em volta de seu pescoço. E então outra vez aquela mesma sensação tomou conta de mim. Não é nada demais, pensei de imediato.
- em uma escala de 0 a 10, como está se sentindo?- Win perguntou, conseguindo notar um certo teor de ironia em sua voz.
- uns 10 negativo, eu acho - murmurei.
- tome, isso deve ajudar - ele me estendeu um copo d'água e uma aspirina, sussurrando para tentar não piorar minha dor de cabeça - quando estiver melhor me avise.
Dito isso, ele saiu do quarto, indo para sei lá onde e deixando o apartamento outra vez mergulhado naquele silêncio agoniante. Tomei a aspirina e bebi alguns goles da água, voltando a deitar-me. Pensei em ligar para Anthony, mas rapidamente descartei essa ideia. Era sábado, e neste horário deveria ainda estar ensaiando.
Confiava nele. O que não era surpresa nenhuma após ter confiado à ele a minha pequena aventura para Detroit (e um monte de outros segredos obscuros). Mesmo assim, não consigo me lembrar do momento exato em que viramos amigos, mas sempre gostei dele, até muito antes de começarmos a nos falar. Tony fazia parte da Karma, uma banda meio Indie que eu conhecia um pouco, chegando na nossa banda após ter uma briga com o vocalista (que também era seu ex-namorado), e todos nós achamos que seria legal ter um baterista tão talentoso como ele. Então, resumidamente, foi assim que ele chegou na Malibu Shark.
Aos poucos a dor foi diminuindo, os pensamentos foram se acalmando e consegui dormir o suficiente para recarregar as energias. E quando me levantei para ir ao banheiro, estava mil vezes melhor do que estava antes.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Desconstruindo Detroit
RomanceUma noite chuvosa, um táxi amarelo e uma mala com somente o essencial e seu violão. Era tudo isso que Bright tinha ao embarcar rumo para o lugar mais longe possível de suas aflições em Nova York e, principalmente, da sua banda. Detroit era como uma...