sincero ou bonzinho?

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Era impossível não ficar nervoso e com medo numa situação dessas. E a cada minuto que corria, meu coração chegava mais perto de infartar.

Andávamos em silêncio até a cafeteria, após tomar café da manhã e seguir a rotina habitual, como se fosse uma terça-feira como qualquer outra. Minha cabeça formulava uma lista incrivelmente grande de tudo que poderia dar errado, e minha imaginação completava cada um dos tópicos com uma boa dose de ansiedade, misturada com uma pitada de paranóia. A receita perfeita para o desastre

Win, por outro lado, estava feliz. Acho que ele tinha começado enfim a acreditar que, talvez, houvesse uma esperança. Se prestasse bastante atenção, dava para notar o brilho em seu olhar, a forma que observava o mundo ao seu redor e em como tudo nele resplandecia. E vê-lo assim fazia tudo isso fazer sentido.

- então, me conta melhor, como é esse seu amigo, o Bright?- Win perguntou, olhando atento para baixo e entrando naquele jogo de não pisar nas linhas da calçada. Que, por sinal, ele era muito bom.

Era algo difícil de responder. É como quando, numa entrevista de emprego, te pedem para falar sobre seus atributos e talentos, e você tenta falar de um jeito que não pareça nem modesto ou narcisista demais. Sem perceber, também começo a desviar das linhas dos ladrilhos, tomando cuidado para não acabar tropeçando.

- ele tem quase a mesma idade que eu, apesar de parecer ser bem mais velho - penso nos adjetivos com cautela e escolhendo cada palavra e frase, como se estivesse desarmando uma bomba - ele é irritante às vezes, faz piadas horríveis e tem um senso de humor terrivelmente tedioso.

- wow, ele parece ser bem chato!- Win deu risada, se concentrando em não pisar errado, e tento não parecer ofendido com o comentário.

Eu não sou chato!

- e o que mais? O que ele gosta de fazer? Que filmes assiste?- Win me encara rapidamente.

- quando tem tempo livre, o Bright gosta de ouvir música, jogar videogame ou simplesmente ficar de bobeira sem fazer nada o dia todo - dou um sorriso ladino, quase perdendo o equilíbrio e caindo.

- até agora, tudo indica que esse cara é preguiçoso, chato e folgado - ele dá risada novamente, com um tom de voz sarcástico. Agora sim me ofendeu!

- você não pode sair julgando as pessoas sem as conhecer antes!- retruco, um pouco indignado.

- claro que posso! Independente se conhecemos ou não a pessoa, vamos acabar julgando ela do mesmo jeito. Porque, infelizmente, a sociedade é uma merda e vai ser sempre assim - Win diz rápido, soltando um suspiro profundo.

- nesse caso, deixe eu te perguntar uma coisa - faço uma careta séria, o vendo assentir com a cabeça, ainda focado no jogo - quando você me encontrou na cafeteria pela primeira vez, o que passou pela sua cabeça?

- quer que eu seja sincero ou bonzinho?- ele sorri.

- seja sincero - respondo, sem hesitar.

- ok, eu achei você bastante esquisito. Bom, acho que qualquer pessoa ia achar isso, depois de ver um cara dormindo numa mesa, com uma cara de zumbi e com uma personalidade duvidosa - ele fala e imediatamente me arrependo de ter perguntado isso - mas agora sendo bonzinho, até que para alguém morto de sono e descabelado, te achei bem fofo…

- por acaso devo ficar feliz com esse elogio depois de você diretamente dizer que eu parecia um zumbi?!- cruzo os braços, fazendo uma careta brava.

- sim, poderia ser pior!- Win sorri, sarcástico.

Seguimos o caminho até a cafeteria, e a ansiedade aos poucos começa a me dominar. Não sei o que pode acontecer daqui para frente, e o medo de tudo dar errado me sufoca. Consigo ver a silhueta deles através do vidro do estabelecimento conforme me aproximo. Engulo seco e entro.

Todos me olham fixamente, e demoro um pouco para assimilar tudo. A cafeteria está sem nenhum cliente. Matthew digita alguma coisa rapidamente no celular, sorrindo ao me ver, Emily e Amanda estão sentadas em uma das mesas vazias, conversando entre cochichos e olhando de soslaio para Anthony, Ethan e Andrew. Eles estão ali, diante de mim. 

Ok, o que eu faço agora? Achar forças para formar frases que, no mínimo, fizessem sentido, era praticamente impossível. Anthony correu até mim, me dando um abraço apertado, daqueles que te deixam sem ar e quase quebram suas costelas. Dei um sorriso tímido, retribuindo o ato. Senti saudades de todos eles, apesar de que a situação do nosso encontro não era lá muito boa.

- senti sua falta, cara - ele sussurrou em meu ouvido antes de me soltar. Mas logo sua atenção se desviou para Win, que tinha acabado de entrar na cafeteria e observava em silêncio toda a cena - aí meu Deus! Esse é o Win?!

Bastou Anthony dizer isso para que ele, Ethan e Andrew praticamente pulassem em cima dele, como se estivessem na frente do próprio Brian Johnson ( o vocalista da AC/DC para os leigos).

- ele é perfeito!- Tony passou um dos braços em volta dos ombros de Metawin, que ainda estava sem entender absolutamente nada, e sem fazer ideia de quem eram aqueles três patetas que o rodeavam - com certeza é mais bonito do que todos os meus ex namorados!

- óbvio né, a maioria dos seus ficantes pareciam ter saído de um Freak show!- Ethan deu risada, ainda analisando Win, talvez tentando decidir se eu tinha ou não o hipnotizado para se apaixonar por mim.

- espera aí seus malucos!- Andrew os acalmou, apontando para Win, que tentava conter a vontade de rir - quase matam o coitado de susto!

- desculpa por isso, é que ficamos empolgados demais às vezes - Ethan rapidamente se recompôs, enfiando as mãos nos bolsos da calça jeans - só queríamos conhecer o garoto de quem o Bri…

-... de quem o Sarawat tanto falava!- Anthony o interrompeu, discretamente dando um pisão no pé de Ethan, que por sua vez murmurou alguns xingamentos estranhos em alemão. 

Essa foi por pouco.

- é um prazer conhecer todos vocês - Win fala, dando aquele seu sorriso característico, e sinto meu coração derreter pela enésima vez.

ele parece mesmo um coelhinho!- Andrew sussurra.

exatamente! Incrível né?- respondo também cochichando.

- sem querer interromper esse lindo reencontro de vocês, mas, me responde uma perguntinha. Onde está o Bright?- Amanda se levanta, pegando um pompom rosa neon e prendendo seu cabelo. Emily me encara nervosa, e consigo ler tudo o que se passa em sua mente. 

- ele ficou lá no hotel - Anthony é mais rápido do que eu e responde, como se já tivesse adivinhado que, uma hora ou outra, alguém ia fazer aquela pergunta - ele sempre fica enjoado quando viajamos, e achamos que ia ser melhor ele não vir até que o enjôo fosse embora.

Amanda parece aceitar a desculpa sem nem ao menos desconfiar, apesar de Emily sustentar uma expressão irritada. Dou um sorriso discreto para Tony, ele entende meu sinal e assente com a cabeça, numa maneira de dizer não precisa agradecer.

Esse vai ser um longo dia!


Desconstruindo DetroitOnde histórias criam vida. Descubra agora