Capítulo 2

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No dia seguinte, a primeira coisa que fiz foi visitar os aposentos do Monge Choroso. Ele estava deitado na cama, de olhos fechados. Receei acordá-lo, e já estava pronta para sair.

- Eu consigo te sentir, rainha. - ele disse, em uma voz rouca e grave.

- Bom dia para você também. - ironizei, caminhando em sua direção - Está se sentindo melhor?

- Um pouco. - respondeu.

Um fino raio de sol iluminava sua face. Fiquei alguns segundos observando aquela cena. Seus olhos se espremiam um pouco por conta da claridade, mas permaneciam focados nos meus.

- Que bom. - respondi.

Iria acrescentar mais alguma coisa, mas em seguida Percival entrou no quarto trazendo um café da manhã. Deixei os dois conversando, e subi ao convés para me encontrar com a tripulação. Pelo que eu sabia, partiríamos em breve, e estávamos coletando algumas coisas para a viagem. Enquanto andava pelo navio, encontrei Pym.

- Você está toda misteriosa desde que chegou aqui no navio... - ela disse. Receei que talvez ela soubesse do meu pequeno segredo. Se todos soubessem, seria o suficiente para instaurar o caos no navio.

- Eu estou normal... só um pouco perdida. Você sabe, eu perdi algumas coisas. - respondi, tentando manter um tom normal.

- Eu vi você saindo sozinha em direção à floresta no primeiro dia. Depois você voltou com algum homem que eu não reconheci o rosto. Não vai me contar quem é?

Gelei. Como ela poderia ter nos visto em meio à toda a escuridão? Mesmo quando entramos, ninguém estava por perto. Não que eu tivesse notado, pelo menos. Suspirei, e falei baixo com ela:

- Tá bom... mas você não pode contar para ninguém. Nem fazer alarde. 

- Tá, eu prometo. - ela respondeu.

- É o Monge Choroso. - nessa hora, vi o terror brotar em sua face, e me adiantei em justificar antes que ela falasse alguma coisa - Mas ele está do nosso lado agora. Ele quase se sacrificou por Esquilo. Podemos confiar nele.

- E o que nos assegura disso? Tem ideia de que tudo isso pode ser plano dele? Quando esse navio estiver em alto mar ele claramente pode fazer um massacre. Não dá pra te defender, Nimue. Você não o conhece.

- Você também não conhecia Dof quando decidiu entrar no navio. Mesmo assim você não pensou duas vezes antes de sair da sua aldeia.

- A diferença é que eu estava correndo de um relacionamento forçado. E ele não tinha queimado nossa aldeia inteira.

- Desculpe...

- Desculpas não vão nos ajudar em nada. Isso é algo que o Conselho precisa decidir, já que você não consegue zelar pela segurança dos seus servos. Determine alguém para ficar de olho nele, pelo menos.

E ela saiu andando, bufando. Esfreguei minhas têmporas me perguntando como eu aliviaria esse fardo.

***

À noite, todos nos reunimos para o jantar. Procurei por Esquilo e pelo Monge, mas nenhum dos dois estava por perto. Bom, ainda não era seguro para o Monge circular livremente pelo navio. Esquilo com certeza faria algum prato e levaria para ele.

- Se você estiver procurando pelo Monge e pelo garoto, eles estão treinando no convés. - Merlin disse, aparecendo subitamente do meu lado.

- Como você sabe que eu estava os procurando? - perguntei.

- Seus olhos correndo pela mesa. Eu também os procurei, precisava manter um olho no hóspede.

- Ei, eu preciso falar sério sobre ele. - disse - Eu sei que quem quer que o descubra, vai fazer um alvoroço. Mas eu sinto que devo mantê-lo por aqui.

- Você é a rainha. Só você pode decidir por nós.

- Mas eu tenho dúvidas. Por um lado, eu deveria ser mais cautelosa com a segurança. Por outro, eu sinto que ele merecia mais uma chance. O que você acha?

- Acho que você precisa tomar uma decisão, rápido. Se ele ficar mais tempo, vai ficar em alto mar conosco por pelo menos uma semana. Se não, ele precisa partir amanhã.

E isso não clarificou nada. Eu ainda não conseguia me decidir, e sua resposta acabou apenas exercendo mais pressão sobre a minha cabeça. Então resolvi andar, esperando que meus pensamentos se desenvolvessem. Subi novamente ao convés, para observar o mar.

Chegando lá, ouvi barulhos de espadas. Segui, encontrando Esquilo e o Monge treinando. O Monge mal conseguia ficar em pé, mas ainda ensinava algumas posições para o garoto. O corrigia, elogiava e incentivava, tudo com sinceridade na voz e nos gestos.

As pessoas podiam vê-lo como um monstro. E eu entendia esse ponto de vista. Nada que ele dissesse ou fizesse poderia mudar todas as coisas horríveis do seu passado, e ele ainda carregava sua personalidade séria e contida. Mas todos temos luz e sombra, não temos? Alguns têm sombras maiores do que outros, mas isso não muda o fato que todos temos algo de nos orgulhar. E eu via isso nele. Ele tratava o garoto com cuidado e atenção, mesmo com seu jeito misterioso. Isso me encantava, e eu gostaria de ver a amizade deles crescendo mais e mais. A importante decisão que eu tinha que tomar sumiu da minha cabeça, e o Monge parou, percebendo minha presença.

- Estão se divertindo? - perguntei, só para quebrar o silêncio.

- Estamos treinando. Mas treinar também pode ser divertido. - Percival respondeu.

- Acho que já treinamos o bastante por hoje. Hora de você descansar. - O Monge disse, olhando para o garoto.

- Nimue não treinou hoje. Por que você não vem aqui e treina? - Percival perguntou.

- Acho que vocês dois devem estar cansados. Mas um dia eu vou. - respondi.

E os dois caminharam juntos, como mestre e aprendiz. Cada um foi para seus aposentos, e eu também segui para o meu. Cheguei à conclusão que eu não deveria deixá-lo partir, não agora, pelo menos. Ele viajaria conosco, e se necessário, permaneceria ainda mais tempo. Eu via uma certa pureza naquela alma, que eu queria manter por perto. Sabia que algo bom poderia florescer, se eu apenas mantivesse paciência e coragem.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora