Capítulo 30

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Conversei muito com Merlin, que contava diversas histórias sobre suas viagens até Avalon. Guinevere conhecia a localização da ilha, apesar de nunca ter desembarcado nela. Segundo sua descrição, era envolta em neblina, tinha uma montanha enorme no centro e muitas árvores.

Todos embarcamos rumo à Avalon. Nosso novo plano era atrair os Paladinos para lá, considerando que teríamos vantagem sobre eles. Mesmo que estivéssemos em menor número, ainda seríamos mais poderosos.

Conforme nos aproximávamos da ilha, tínhamos a mesma visão descrita por Guinevere. Assim que chegamos em terra firme, Merlin nos advertiu de que não deveríamos confiar em nada que víssemos: a ilha gostava de testar a índole das pessoas. Nos separamos em pequenos grupos, e começamos a explorar o lugar.

As árvores eram de um verde muito escuro, e as pedras ao longo do caminho eram repletas de limo. O céu também estava escuro, o que contribuía para o clima pessimista no local. A cada passo, eu parecia me desviar ainda mais do meu objetivo original.

Olhando entre as árvores, encontrei um cervo bebendo água em um lago. Parecia que ele conseguia sentir minha presença, considerando que ele rapidamente se levantou e começou a me encarar. Era como se os seus olhos me chamassem, e então desviei da rota. Ele não fugia conforme eu me aproximava, e me deixava até acariciar a sua cabeça.

- Ele é bem manso mesmo. Seu nome é Rudolph.

Reconheci a voz, mas não consegui acreditar que realmente tinha a ouvido, até virar e me deparar com Gawain. Ele estava aparentemente saudável, com um sorriso no rosto e vestes elegantes. Era o Gawain de sempre, na minha visão. Abracei-o e consegui até sentir seu cheiro familiar de cardamomo.

- O que você está fazendo por aqui? Como chegou aqui? - perguntei.

- Eu vivo aqui... e eu vim de barco, obviamente. E você?

- Eu só estou dando uma passada. Não pretendo ficar aqui por muito tempo.

- E se eu te convencer?

- Qual vai ser sua estratégia?

- Venha conhecer a minha casa. É pequena, mas é confortável.

Aceitei o convite, e começamos a subir uma colina. Era bem íngreme, arborizada e um tanto quanto sombria. Ele me perguntava tudo sobre a minha vida, e me ajudava a relembrar algumas memórias de infância. Ríamos muito, mas sempre que eu lhe perguntava sobre seus ferimentos, ele desviava o assunto. Pensei que fosse apenas algo que o incomodava, então parei de insistir.

Sua casa ficava bem no topo, de forma que conseguíamos ver quase a ilha inteira e um abismo enorme à nossa frente. A casa era realmente pequena, mas bem organizada. Ele me apresentava cada quarto e dizia tudo o que fazia durante o dia. Saímos de lá e ele me guiou até a beira da colina, de onde conseguíamos ver o pôr do sol.

Tudo parecia normal por ali. Era emocionante reencontrar Gawain, e ele parecia extremamente tranquilo e focado em fazer com que eu em sentisse bem. Mas toda essa tranquilidade era estranha: ele jamais conseguia sossegar. Desde que nos conhecemos ele sempre estava aprontando algo, ou mesmo saindo com garotas. Já aqui, ele dizia até que não participaria mais de lutas, e viveria pacificamente. Simplesmente não combinava com ele.

- Por que não vai lutar ao nosso lado na grande batalha? - perguntei.

- Não há guerras por aqui, apenas paz. Você não gostaria de viver para sempre em um lugar assim?

- Gostaria. É um sonho, na verdade, mas se eu quiser que todos os lugares sejam assim, eu preciso lutar por eles.

- Aqui é diferente dos outros lugares. É especial.

- Por quê?

- Venha comigo e eu vou te mostrar.

Ele estendeu a sua mão, e eu a segurei. Começamos a andar em direção ao precipício, e quando vi que ele flutuava, percebi que tudo estava errado. Aquilo não era real. Era como um sonho, uma visão, uma miragem. Gawain tinha partido há muito tempo, e eu não poderia trazê-lo de volta de forma alguma.

- Você está morto. Eu lembro, eu cheguei no acampamento tarde demais... eu sinto muito. - disse, com os olhos marejando.

- Junte-se comigo, Nimue. Sua mãe também está aqui, te esperando. Ela sente a sua falta. Podemos viver juntos para o resto da eternidade, só nós três.

- Eu não posso.

Me virei bruscamente e caminhei para longe, e quando olhei para trás, ele e sua casa não estavam mais lá. Tudo havia sido um cenário estúpido, somente para me testar e trazer remorsos de volta.

Chegando no ponto de encontro de todos nós, a maioria já estava sentada ao redor de uma fogueira. Poderia contar nos dedos os que faltavam ali. Todos pareciam afligidos, pensativos ou tristes. Me sentei ao lado de Lancelot, deitei em seu ombro e senti-o me abraçar. Era reconfortante, tudo o que eu precisava naquele momento. E pelo que eu sentia, tudo que ele precisava também.

- Avalon é uma ilha somente para os fortes. Todos podem entrar, mas nem todos conseguem sair. - Merlin disse. - Seus medos e culpas são jogados contra você, e caso tenha controle sobre eles, é recompensado com grandes poderes.

A partir desse momento, vários começaram a contar suas histórias. Eram visões de mães, pais e irmãos falecidos que apareciam e tentavam convencê-los a abandonar suas vidas, ou até seus maiores medos que se materializavam na sua frente. Em alguns casos, as duas coisas.

- Com quem foi a sua visão? - perguntei para Lancelot, discretamente.

- Com você. Não vale a pena ser replicada, mas é um alívio te ver bem. Eu não vou deixar que nada de ruim aconteça com você. E a sua?

- Com um homem chamado Gawain. Talvez você tenha o conhecido como Cavaleiro Verde. Ele era como um irmão mais velho para mim.

- Cheguei a lutar com ele uma vez. Foi ele quem me ajudou a abrir meus olhos diante de tantas traições. Parecia uma ótima pessoa.

- E era. Tinha boas intenções, apesar de às vezes ser um pouco arrogante. Ainda me sinto culpada por ter chegado tão tarde no acampamento. Talvez eu pudesse tê-lo salvo.

- Não foi sua culpa. Mesmo que tenha partido cedo, ainda salvou muitos. Ninguém vai tirar seu legado.

- É verdade...

Nesse mesmo momento, todos começaram a apontar para o céu, por onde passava uma estrela cadente.

- Faça um pedido. - disse. - E não se esqueça de me contar logo que se realizar.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora