Capítulo 21

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Durante uma tarde, fui até uma das salas do castelo, onde Pym frequentemente fazia as suas artes. Após a morte de Dof e a estadia no navio, ela parecia estar mais do que nunca dedicada às artes e o ofício de curandeira. Nunca mais passamos falta de belas tapeçarias ou coroas de flores, e as decorações de qualquer celebração eram totalmente feitas por ela. Além disso, se antes ela havia se passado por curandeira para entrar no navio, agora ela estava se tornando uma curandeira de verdade: desde que nos apropriamos do castelo ela passava dias tentando decifrar o herbário de Merlin, e de vez em quando, ele a instruía em algumas misturas. Sempre que alguém se feria, ela e Merlin partiam para a ação.

Mais do que com qualquer outra pessoa, Enid parecia ter se apegado à ela. As duas tinham tantas coisas em comum que pareciam até irmãs: a dedicação às artes, curiosidade, e uma aparência frágil, mas surpreendente. Por mais que fizéssemos com que Enid treinasse para a sua própria sobrevivência, era claro que ela se sentia mais feliz criando acessórios e fazendo novos penteados.

Pelo que sabíamos, ela e seus pais eram mantidos como prisioneiros no castelo de Uther há um bom tempo; tempo esse que fez com que seus pais fugissem na primeira chance, deixando a filha sob a sua própria sorte. Então, desde o dia em que a vimos, ela passou a viver entre nós, se aproximando principalmente de Pym.

- Uau... essas são as coroas que você fez recentemente? - perguntei para Pym.

- Na verdade, todas essas foram Enid. Não é, Ni?

E a garota fez que sim com a cabeça, voltando a sua atenção para a obra que tinha em mãos. Pelo que eu percebia, ela amarrava as flores ao redor de galhos, criando padrões com as cores que tinha em mãos.

- Quero que você me ensine a fazer algumas. - disse, tentando me aproximar da garota.

Ela sorriu, e em seguida voltei meu olhar para Pym, que pedia minha opinião a cada vestido que trocava. Aparentemente, ela se encontraria com um tal Rolf, guerreiro de Guinevere por quem ela se sentia atraída. E eu honestamente não poderia estar mais feliz por ela seguir em frente.

Assim que ela saiu da sala, Enid me ensinou a fazer algumas coroas, conversando comigo enquanto isso.

- Eu quero ser assim como você quando crescer. - Enid disse, enquanto trabalhava em uma de suas coroas.

- Por quê? - perguntei.

- Porque você é corajosa e é líder. As pessoas te respeitam. Eu quero ser assim. - ela respondeu, se encolhendo como se estivesse com vergonha.

Ouvir aquilo dela tinha me surpreendido completamente. Não era essa a visão que eu tinha sobre mim mesma, na maior parte do tempo.

- Você gosta de lobos, Enid?

- Gosto. As pelagens deles são fofas.

- Quando eu era criança, tinha ouvido uma mulher já idosa dizer que mulheres precisavam ser como lobos: estarem sempre atentas, viverem em matilha e lutarem com garras e dentes por seus amados.

- O que isso significa?

- Que precisamos nos apoiar mutuamente, que não podemos deixar de defender o que acreditamos, e que devemos sempre estarmos atentas às circunstâncias ao nosso redor. É algo que eu só entendi recentemente, por mais que ela tenha me dito há tempos; mas você ainda tem muitos anos pela frente, e seguir isso pode fazer uma total diferença na sua vida.

- Isso vai me tornar como você?

- Vai te tornar a melhor versão de você mesma. Isso vai fazer com que te respeitem, e você vai ganhar seu espaço. Um dia você vai se tornar uma guerreira conhecida, ou uma grande artesã. Eu tenho fé nisso.

E a garota sorriu, me agradecendo pela conversa.

*

Pela noite, me encontrei com quase todos da corte em uma espécie de torneio organizado por Guinevere. Aparentemente, funcionava como uma forma de entretenimento e de colocar as habilidades recém-adquiridas em prática.

Fiquei ao lado de Lancelot, e procurei Esquilo com os meus olhos. Quando finalmente o encontrei, ele estava junto de outros guerreiros que participariam do torneio. Ele também segurava um escudo e uma espada em suas mãos.

- Por que Percival está entre os guerreiros, e não na plateia? - perguntei.

- Ele vai participar do torneio. - Lancelot respondeu, com uma tranquilidade imensa.

- Como? - questionei, incrédula.

- Lutando, claramente.

Por um segundo, pensei em correr até o outro lado da arena improvisada e puxar o garoto até a arquibancada. Ao invés disso, apenas enterrei a cabeça nas minhas mãos, desacreditando daquela ideia, mas com a esperança que houvesse alguma explicação por trás.

- Contra esses brutamontes? - perguntei.

- Contra alguém do tamanho dele. Seu oponente é apenas dois anos mais velho. Todo santo dia ele me diz que quer contribuir nas batalhas, e uma hora esse dia vai chegar, por mais que não seja o que esperamos. Aqui ele não vai se ferir gravemente, mas isso pode acontecer no campo de batalha, se ele não estiver preparado.

- Mas ele é tão jovem...

- Percival não é mais o menino de 12 anos perdido em meio à floresta. Ele já tem 14 anos, e consegue usar um escudo e uma espada melhor do que qualquer um da sua idade. Precisamos treiná-lo de acordo com o mundo, não com o que queríamos que acontecesse.

Suspirei, me dando por vencida.

- É verdade...

Ele segurou minha mão, provavelmente na tentativa de me acalmar.

- Vai dar certo. Não se preocupe. - disse.

Todos os competidores pareceram lutar por décadas, até que chegasse a vez de Esquilo. Quando finalmente chegou, sentia meu coração errar uma batida a cada golpe que seu oponente desferia. No entanto, ele se defendia de forma ilustre, e também atacava nos melhores momentos. Pode ser que eu o tivesse subestimado um pouco.

A partida se encerrou e todos comemoraram. Suspirei de alívio, percebendo que Esquilo havia ganhado sem sequer um arranhão. Esperei que o garoto viesse até nós, e quando chegou o abracei, arrumando seus cabelos que estavam totalmente bagunçados.

- Você quase me matou de susto, mas você conseguiu! Eu não tenho palavras pra dizer o quanto estou orgulhosa! Parabéns! - disse, com minhas mãos apertando de leve suas bochechas.

- Obrigada, Rainha! - ele disse, sem conseguir conter o sorriso.

- Foi muito bem, Percival. - Lancelot disse, dando uns tapinhas em suas costas. - Já te vejo como um ótimo guerreiro.

O sorriso no rosto do garoto conseguia contagiar qualquer um. Se eu dissesse que esse era o dia mais feliz de sua vida, eu provavelmente não estaria exagerando. Em apenas alguns minutos, tinha ganhado um combate e também os parabéns de alguém que ele tanto admirava. Certamente seria um dia que cada um de nós se lembraria para sempre.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora