Capítulo 29

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Estávamos eu, Esquilo e Lancelot na sala de pergaminhos do castelo, cada um de nós entretido com algo diferente. Desde que Esquilo tinha aprendido a ler, era normal que passássemos algumas tardes lendo os pergaminhos e livros extensos daquela sala.

- Onde fica Avalon? - Esquilo perguntou.

- Bem longe daqui. - respondi.

- Mas Merlin diz que é perto daqui, disse até que já esteve lá.

- Pode ser que sim, mas para mim não passa de uma metáfora. É realmente o lugar para qual os melhores guerreiros vão, mas só depois da morte.

- Então por que ela está nesse mapa?

Olhei para o pedaço de papel envelhecido, que tinha uma pequena faixa de terra chamada Avalon, de certa forma perto de onde estávamos. Comparando com outros mapas que estavam por perto, a mesma faixa de terra aparecia em todos, apesar de estar nomeada somente em um.

- Lance, venha ver isso... - chamei.

- Percival está certo. - ele respondeu, depois de olhar todos os mapas. - E se realmente existir, talvez seja nossa melhor aliada.

Ouvíamos lendas que Avalon era uma ilha mística, que poderia ampliar os poderes de qualquer um que pisasse lá. Segundo Merlin, a própria espada de Arthur havia sido forjada lá, por mais que eu nunca tivesse dado atenção para essa parte. Se conseguíssemos ao menos pisar nela, talvez tivéssemos chances ainda maiores de vencer a batalha final.

Estávamos prestes a interrogar Guinevere e Merlin, quando Morgana entrou na sala com o olhar mais assustado que eu havia visto até então.

- Papa Abel e alguns soldados da Trindade estão aqui. Dizem que querem negociar. - ela disse.

- Onde eles estão? - Lancelot perguntou.

- No saguão.

- Não deveriam nem ter deixado que eles entrassem. - disse, furiosa pelos guardas e Arthur terem colocado todos em risco.

Descemos até o saguão rapidamente, encontrando o Papa e pelo menos doze soldados da Trindade. Nos aproximamos, finalmente quebrando a conversa diplomática entre ele e Arthur, e Abel nos cumprimentou com uma reverência um tanto quanto sarcástica.

- O Monge Choroso e a Bruxa do Sangue de Lobo em carne e osso... é uma combinação no mínimo inesperada. - Papa Abel começou.

- Posso perguntar por que vieram até aqui? - comecei.

- Viemos oferecer um acordo que pode favorecer ambas as partes. Mas antes disso, eu gostaria de falar em particular com nosso Monge.

- O que garante que isso não é uma emboscada?

- Posso ficar com apenas dois soldados para a minha proteção. O resto pode ser dispensado.

Assentimos, e Abel e Lancelot seguiram para uma sala, acompanhados de dois soldados que ficaram do lado de fora. Da sala ao lado, junto com Esquilo, eu conseguia ouvir cada palavra da conversa:

- Eu ouvi que você se tornou Rei dos Feéricos. Como foi que isso aconteceu?

- Não importa. Por que quis falar comigo à sós?

- Filho, eu tenho uma oportunidade única para você. Eu sei que se envolver com magia o deixou desorientado, mas você ainda é iluminado pelo Espírito Santo. Se arrependa da sua alma pecaminosa, abandone a sua vida secular agora mesmo e eu posso te incorporar de volta à Ordem. Tudo que eu vejo aqui é uma alma em busca de um significado que só o Todo Poderoso pode restituir.

Um silêncio longo se estabeleceu, até o antigo Monge respondê-lo.

- Nada disso faz mais sentido para mim. Foram anos sentindo só culpa e a ira de um Deus pela sua própria criação, além de todas as incoerências. Se a tal paz custe a conversão forçada do meu povo, desista.

- Chame a Rainha, talvez ela seja mais flexível para negociar.

Mal ele sabia que eu já tinha ouvido tudo do outro lado. Os dois soldados entraram comigo, enquanto Esquilo ficou do lado de fora. Cada um ficou de um lado da mesa, acompanhando a discussão que se tornava cada vez mais acalorada.

- Não temos o mínimo interesse em transformar essas terras em mais um protetorado da Igreja. Essas terras pertenceram aos nossos antepassados e aos antepassados deles, não vamos entregá-las por uma falsa promessa de paz. - disse.

O ódio cresceu no olhar de Abel, e com um pequeno gesto feito com sua mão, senti a lâmina fria de uma espada colada ao meu pescoço. Quase instantaneamente, Lancelot também o puxou e o ameaçou com a sua espada, convencendo com que o outro soldado largasse a sua arma para conservar a vida do Papa.

- Ele jamais faria isso. Não se desarme, Yuri. - a pessoa que me segurava disse, com uma voz feminina familiar.

Em seguida, ouvi um grito por parte dela, e me vi livre da sua ameaça. Me virei rapidamente, encontrando Esquilo com uma espada ensanguentada em suas mãos, e o soldado caído no chão. Ao mesmo tempo, Lancelot largava Abel, golpeando o soldado em sua frente. O Papa saiu correndo, enquanto eu removia a máscara do soldado que tinha a voz familiar.

Esquilo começou a chorar ao perceber que era Íris. O sangue se espalhava lentamente pelas suas roupas, e ela gemia de dor. Comecei a apertar seu corte para estancar o sangramento, mas não ajudava muito.

Lancelot se aproximou de Esquilo, que enterrava seu rosto em suas mãos, em um misto de vergonha e arrependimento. Sussurrando, ele começou a conversar com o garoto.

- Percival, não havia mais nada que você pudesse ter feito, e foi extremamente corajoso da sua parte. É doloroso e repulsivo na primeira vez, mas você sempre disse que queria defender seu povo, e às vezes, é esse o tipo de coisa que você precisa fazer.

- Mas ela era jovem...

- Ela teve anos para amadurecer e seguir o que acreditava, assim como você. Do mesmo jeito que você cresceu muito desde que tudo isso começou, ela também amadureceu. Ou é só você quem envelhece a partir de agora?

O garoto soltou um riso baixo, enxugando as lágrimas, e logo saiu da sala, procurando um lugar mais seguro para ficar. Sorri para Lancelot, como forma de agradecê-lo por amparar o garoto. Ele me ajudou a levantar, perguntou se eu estava bem e em seguida partimos para enfrentar os outros soldados.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora