Capítulo 28

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Havia me deitado razoavelmente cedo, mas mesmo mudando de posição ou tentando esvaziar minha cabeça, o sono não vinha de forma alguma. Era uma frustração enorme, que mais atrapalhava do que ajudava. Devo ter passado horas me revirando e tentando não acordar Lancelot, em vão.

- Não está conseguindo dormir? - ele perguntou, com a voz um pouco sonolenta.

- Não.

Ele ficou em silêncio por um tempo e eu imóvel, esperando que ele voltasse a dormir. No entanto, ele quebrou o silêncio com uma pergunta que a princípio, parecia desconexa.

- Confia em mim? - perguntou.

- Claro, de todo o meu coração.

- Então se vista, vou te levar em um lugar.

Perguntei qual era o tal lugar, mas ele respondeu fazendo suspense. Evitei de fazer mais perguntas, me vesti e o segui até o estábulo. Estranhei quando ele montou em um dos cavalos e me estendeu a mão, mas obedeci, e galopamos floresta adentro.

O vento bagunçava um pouco os nossos cabelos, os animais cantavam, a luz pálida da lua nos iluminava e as árvores pareciam encobrir nossa saída clandestina. Ao nosso redor, tudo parecia magia, e mesmo estando expostos, eu nunca me senti tão segura.

Apeamos em frente à uma grande rocha, que ocupava todo o nosso campo de visão. Diria que estávamos perto de alguma cachoeira, se Lancelot não tivesse começado a girar algumas das pedras e a rocha se dividir em duas, como portas. Adentramos em um lugar com árvores enormes, que permitiam que luzes azuis passassem por elas. Era como uma continuação da floresta, mas com uma sensação mais mística, que me encantava mais a cada passo.

- Onde estamos? - perguntei.

- Na antiga Benoic. Foi onde eu passei minha infância. - ele respondeu, sorrindo no final.

- Por que ela não aparece nos mapas?

- Porque nenhum humano consegue entrar sem ser acompanhado por um feérico. Muitos de nós nem sabem que Benoic ainda existe.

O pouco que sabíamos sobre Benoic era que ela tinha sido destruída após uma invasão. Ouvíamos dizer que era uma cidade poderosa e unida, e eu lembro que não entrava na minha cabeça como um reino tão poderoso tinha sido destruído tão facilmente. Mas agora, associando com o que Lancelot havia me contado meses atrás sobre seus últimos tempos aqui... tudo se encaixava.

Ele havia aberto os portões para que os Paladinos entrassem, na mais pura inocência, e o massacre tomou forma. Ele era uma criança, e não tinha como saber das consequências dos seus atos. Eram tempos de ouro, onde não precisávamos ensinar nossas crianças a temerem homens de vermelho.

Depois de passarmos pela parte que parecia uma continuação da floresta, chegamos à uma área onde a destruição reinava. Torres, pequenas casas e no fundo um castelo, todos em ruínas. Mas com exceção dessas construções, a vida ainda parecia ressurgir: as árvores abrigavam pássaros e outros animais pequenos, e flores coloridas se espalhavam por certas áreas, em tamanhos irregulares. Havia uma beleza inegável e uma sensação de acolhimento em meio à essas visões de destruição e vida.

Caminhamos até o lugar onde ficava o antigo castelo, e Lancelot me mostrou cada sala que ainda restava, trazendo memórias à tona. Por fim sentamos no chão, e conversamos durante a madrugada inteira. Ele parecia mais aberto do que nunca: falava da sua infância, dos seus pais, de outras vezes que tinha voltado para a sua terra natal. Eu ouvia tudo muito atenta, deixando claro o quão feliz estava em vê-lo revelando coisas que nunca tinha dito antes.

- Você gostaria que um dia os feéricos voltassem a habitar aqui? - perguntei.

- Seria um sonho. Eu lembro do quão felizes e esperançosos todos eram aqui, e é exatamente por isso que eu te trouxe. Existe uma esperança, um lugar incrível destinado para nós, e eu sei que podemos transformá-lo juntos.

- Então vamos fazer isso acontecer. Donos do nosso próprio reino e castelo, não parece ótimo?

- Parece perfeito. - ele disse, sorrindo. - Mas já está amanhecendo, é melhor voltarmos antes que alguém perceba.

Assenti, por mais que quisesse ficar lá por muito mais tempo. Já imaginava a vida que poderíamos estabelecer ali quando todos os conflitos terminassem. E de certa forma, me sentia revigorada para a última batalha, que poderia nos proporcionar tudo isso.

- Obrigada por me trazer aqui. Eu consigo imaginar o quanto aqui significa para você.

- Por muitos anos esse foi o único lugar que eu tive como lar... e eu espero que um dia você sinta o mesmo.

Sorri, sentindo minhas bochechas corarem.

- Escolha uma cor. - disse.

- Azul. - ele respondeu.

Encostei minha mão em uma árvore seca, com os galhos retorcidos. Eles lentamente se alongaram, e deles, flores azuis de vários tamanhos começaram a surgir. Em poucos segundos, essa era a árvore maior e mais linda que podíamos ver.

- Para você não se esquecer de mim. - disse.

Ele se aproximou, beijando meus lábios delicadamente.

- Nunca vou me esquecer de você. Nunca.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora